quarta-feira

ALICE E O PONTÃO - capítulo 2

Sentia-se agora como nunca imaginou alguma vez poder ser. 
Tudo se envolvia num mistério encantador, vivia intensamente todos os momentos que passava com André, sentindo tantas e tantas vezes um receio inexplicável, receio de perguntar tudo, nada querendo estragar.
Cativava-a todo aquele  incógnito aparente que protegia o seu homem alado, que voando sem Alice pedir, poisou, numa noite mágica, sem querer ou  querendo..na varanda da sua casa. Veio coberto por uma capa luzidia, onde todas as cores se misturavam. Ofuscava o olhar de quem queria ver o real .Ofuscava Alice, cegava-a de tanta luz.
Alice enamorava-se todos os dias, cada vez mais, acreditando com todas as suas forças na sua eleante e fantástica  ilusão .
Tinha chegado finalmente o seu barco de piratas de rio! Ancorou no seu Pontão um navio sem vapor, tudo lhe acontecia ao mesmo tempo. E aterrou assim de repente, um homem alado vestido de luzes que não se deixam ver, vindo directamente daquele  imaginário no qual ela tanto gostava de acreditar.
Poisou simplesmente ali, na sua janela.
André olhava-a com uns olhos profundos, tão infindáveis como o desamor que sentia por si mesmo. 
Olhava-a como alguém que quer amar  mas nunca aprendeu . Alice afundava-se nesses olhos raros enternecendo-se, jurou-se ensiná-lo a amar tentado agarrar aquele olhar que implorava esperança, que  tanto e de nada dizia,  e que raramente se deixaria  decifrar.
Sentia sempre André demasiado triste. André, mascarando-se, sofria o que carregava consigo desde que se conhecia. André esteve sempre sozinho. 
Alice nada sabia, e tudo iria querer saber. Guardava André dentro dela como uma jóia, com receio de o partir, fechava-o numa imaginária caixinha aveludada, tão macia que não o poderia magoar.
Tudo fazia para não o deixar estragar, e nada fazia com medo de quebrar aquele inexplicável encanto..
Para Alice, com toda a sua irreal magia, André era real e fascinante.
Já não sabia como iria continuar a viver a partir dali, não se apercebendo que começava já  a viver aterrorizada com o eminente acabar desse encantamento. 
Não queria pensar no que poderia nunca ficar esclarecido, disfarçando o medo, arranjava sempre razões para tudo, mesmo para o inexplicável.
Nada mais lhe importava verdadeiramente, absorta num sentimento que não conhecia, Alice começava agora a viver para André, não sabendo se alguma vez André viveria para ela.
Tentava esclarecer, dentro de si,  esta sua mágica história. Subtilmente, como um passarinho saltitante, bicava aqui e ali comendo as migalhinhas de informação atiradas como grãos  milho, por André. Nunca deixava  que André percebesse o tanto ela ansiava entender tudo.
Não queria quebrar aquele estranho feitiço, que só lhe fazia sentido, se envolto num mistério qualquer.
André, com a sua voz cantada, contava-lhe quase nada. Entoando só o que Alice gostava de ouvir, solfejava suavemente sempre o que queria e podia contar. 
Enfeitiçava-a, rodopiava os cordéis de Alice, tal como uma marioneta desengonçada .
Alice vivia hipnotizada por uns olhos alagados, vivia uma vida quase irreal, que de tão volátil seria imperativo que se tornasse palpável .
Alice não conseguia agarrar no ar o que serenamente passava por ela, como um vento solto, acelerado nas asas daquele homem alado. Era mágico.
Nunca desistia facilmente daquilo que se propunha acreditar , nunca adivinhando o que isso lhe traria de bom ou mau. Só desejava começar a entender tudo de repente, lutando, em vão, contra o seu próprio tempo.
Alice não queria ter medo de nada.
Começava a amar André com todos os poros da sua pele, com o seu coração inteiro,o fígado, os pulmões, os rins.Um amor visceral que se entranhava por todos os lados do seu corpo, porque o seu coração, de tão grande, tornou-se minúsculo para tanto sentir.
Alice já vivia a vida de André, respirava André, alimentava-se dele sem nunca perceber porquê.
E assim, num ímpeto, fundia-se com André numa osmose ilusória. Vivia absorta numa felicidade intensa e quase real.
André assustava-se sempre com a capacidade que Alice tinha de o envolver com a sua peculiar simplicidade.
E tantas vezes perdendo o comando do mistério, André escorregava, e fugia para o seu outro mundo o mais rápido possível, e sem aviso prévio, desarrumava Alice.
Partia para tudo aquilo que não pertencia a Alice, esse seu estranho mundo que ela um dia se empenhou em entender e conquistar.
Alice nada perguntava, e André respondia silenciosamente com os seus olhos apaixonantes. Desarmava-a só com o seu olhar de lagos verdes e imensos, um olhar de tantas incertezas, um olhar  implorante a tudo.
Alice não desistia daquilo que pensava ter começado a sentir  intensamente. O princípio do amor pleno, se é que existe algum amor assim...
Cheia como um balão, levitava sem ninguém ver por cima do Rio, pousando sempre na pontinha do seu Pontão.
Agora alteraria tudo na sua vida,  sem medo , para continuar a viver aquilo que nem sabia. Tudo  aquilo que nem sabia poder existir.
André nunca se comprometia, nunca dava tudo. Demonstrava uma incapacidade enorme de assumir compromissos; nada mais que beijos, sorrisos vibrantes e juras de amor. Sedutor, seduzia-a como sabia, desejando amá-la, não sabendo ou não querendo, por nunca ter aprendido a amar-se a si mesmo, e sempre aturdido... talvez só quisesse aprender a voar nas suas asas de luzes imaginadas.
Alice arriscava tudo , numa dualidade consciente / inconsciente; movia-se só pelo que sentia, e por tudo aquilo que dificilmente conseguia definir;  ao qual resolveu chamar amor, por tão ridículas lhe parecerem as suas próprias atitudes.
Começava agora a conhecer o medo de perder, em pânico, recusava-se a raciocinar porque achava que o amor nada tem de racional, e que quem ama nunca raciocina com pavor de arruinar todos os castelos de farófias,  dificilmente construídos.
Nunca ninguém sabe nada sobre o amor, desconhece-se que alguém o tenha definido claramente, assim pensava Alice, e embrulhava-se incomodamente em dúvidas macias.
André insistia em querer zarpar com âncora. 
Alice não se apercebia, e nem sabia se teria mãos suficientes para segurar aquela corda imensa e rugosa.

(continua...)

15 comentários:

Sofá Amarelo disse...

Há sempre um cais mágico que molda as vontades e os desejos... e haverá coisa mais sublime que respirar... alguém?

Francisco José Rito disse...

Boa noite! So cheguei hoje, mas ja fui aos primeiros e estou a gostar :-)

Beijos

Anónimo disse...

Estou acompanhando Alice e André e já me pego ansiando pelo próximo capitulo...tá bom demais!!!
Vamos lá, poste!!
bjs

continuando assim... disse...

obrigada a todos vós ... pois isto é só o princípio , tenho a dizer que o livro tem 18 capítulos :9 e outros tantos sub capítulos :) ou seja ainda vai no início!!!
agora que me meti nisto ...vou ter que terminar lol

beijooooos

Guma disse...

Continuando assim... estou a gostar, a estória é interessante e por de mais real.
Kandandos

catwoman disse...

Alice e André estão a conseguir prender-me e isso é bom.espero anciosamente o próximo capítulo.
Bjs.

catwoman disse...

Ansiosamente.
Desculpa, talvez tenha sido de tanta ansiedade 8sou distraída mesmo e isso aliado à pressa por vezes dá estes resultados)
Bjs.

Carlos Albuquerque disse...

Recorda-se, certamente, que há tempos comentei a "polémica" editora/escritora.
A partir daí tenho vindo com frequência ao seu blog. Estou a acompanhar a "reedição" do seu livro. Até agora tenho gostado, continue.
BJs
--
Foi com satisfação que vi o "continuando assim..." aconselhado no blog "cronicasdorochedo". Bem o merece.

Ronaldo disse...

Nunca imaginei que iria me apegar a uma leitura em um blog como em um livro.

Isso faz ver como temos talentos espalhados por todos os cantos.

História que prende, muito boa, o legal e nó fincal você disponibilizar um pdf para download, pois muitos virão aqui e nem semrpe terão tempo para ler do começo ao fim.

bom final de semana

continuando assim... disse...

è verdade Carlos a tal polémica ...que fica por resolver

sacudindo água do capote , e depois duma carta minha a editora nem se digna a falar comigio e a reconhecer os erros


enfim...cá estamos ! um beijo

continuando assim... disse...

sofá amarelo, bem vindo!! ...again :)
bj
teresa

continuando assim... disse...

catwoman....pois parece que a história prende :)....quem já a conhece diz que sim :)

bj
teresa

Sabrina disse...

uau! Ficção das melhores!!

Anónimo disse...

Oh, André, talvez tu te esqueças dos teus ouvidos colados às paredes...das sextas feiras insones a vasculhar meus solitários pensamentos públicos ,das antenas tremeluzentes em sua cabeça aos chás da tarde, das desesperadas mudanças de hábito tuas quando o chão parecia começar a tremer... e do olhar abobalhado....quando eu não tive interesse em saber...nem que chovesse canivetes...
Alice

Penélope disse...

Sentimento é sentimento em qualquer dimensão, pois não nasce na máquina, mas sim, em nós...
Se é real ou fantasioso, daí já é outro problema.
Estou gostando, mas hoje paro por aqui, amanhã voltarei para os demais capítulos
Beijinhosssssssss