segunda-feira

Sempre podia ouvir isto, e olhar para ti…






Apanhávamos um autocarro verde de dois andares, íamos sempre para o andar de cima, subíamos aquela escada em caracol a correr, eu atrás de ti, tropeçava no meu cachecol comprido, daqueles intermináveis que eu fazia, lembras-te? Pensava sempre em fazer um para ti...
acendíamos cigarros, que se  apagavam nos cinzeiros de metal. Acendiamos só  por acender...




Seguíamos para casa, apanhávamos sempre um de dois andares! Tinha que ser de dois andares!
Os bancos de napa preta, escorregadia, a cor dos bancos sintéticos, realçavam o preto nos teus olhos.
 O revisor que vinha cobrar o bilhete e nada dizia, e o cheiro... o cheiro a napa e a fumo…e o frio, recordo o frio que me era tão agradável.




 Fazíamos aquela viagem sem pressa, depois das aulas, seguíamos assim deitados no banco de trás, despreocupados com tudo, porque nada nos parecia preocupar. Aprendíamos a fazer argolas de fumo...




Apanhávamos sempre um verde de dois andares, que nos levava de casa para o Liceu, e do Liceu para casa.Tinha que ser desses.




As tardes eram por nossa conta, ouvíamos música, fumávamos cigarros uns atrás dos outros...acabavam , e amarrotávamos as embalagens de sg filtro 



Comprávamos discos de vinil na Discoteca Roma. O último disco importado e encomendado por nós, vinha de Londres!!
juntávamos todos os escudos que conseguíamos,  para o comprar.


Passávamos as tardes, em casa de  um de nós. 
Daquele que tivesse a melhor aparelhagem...Pionner , ou assim...  geralmente era na tua, eras tu quem tinha os melhores discos e o melhor gira discos.

Ouvíamos o disco, que rodava vezes sem conta, no prato da aparelhagem, eu fixava o rodar estonteante do vinil



 As agulhas, gastavam-se rapidamente de tanto uso, e começavam  aqueles ruídos irritantes de “batata frita”, lembras-te? 
Aqueles ruídos que tu não suportavas…


E  tinhas que ir a correr comprar outra agulha … eu esperava por ti, sem mesmo tu saberes que te esperava , tu ias e vinhas sempre  a correr …tremias sem querer…e sem eu saber porquê...



Ouvíamos todas as faixas, sem nos cansarmos de nada, porque nunca nada nos cansava, o disco rodava, com o som alto… até começar a anoitecer. 



Depois de para mim, deixar de ser aquele dia... 
Eu apanhava o 21... e ia para casa, esperando pelas 8 horas da manhã do dia seguinte. 
A hora que apanhava o autocarro verde de dois andares, que me levava ao Liceu, que me levava outra vez ao teu mundo ...



Quando o perdia, ia a pé devagarinho, com as minhas galochas vermelhas, cantarolando baixinho as músicas do disco novo, sabia-as de cor! 
E cantava-as para ti, mesmo que tu não me pudesses ouvir.


Esperava que as manhãs passassem depressa.
De tarde ouvia, olhando os teus olhos cor de azeitona , aquele último disco. 
E tu parecias nem dar por nada… nem por mim…parecia que nem estavas ali… 


Lembras-te? 
Apanhávamos aquele autocarro verde de dois andares e íamos sempre para o andar de cima.  
Subíamos aquela escada em caracol a correr, e riamos, riamos muito…. 
Depois deitávamo-nos no banco de trás …e fumávamos cigarros, só para os apagar naqueles cinzeiros metalizados… e eu, esperava pelas tardes …pelas horas, que passaria imóvel a olhar para ti


…mesmo que tu fingisses que não me vias , mesmo que me parecesse que não estavas ali, eu ouvia isto, e olhava os teus olhos tão pretos, sem tu dares por mim…sem tu dares por nada ...






9 comentários:

Quando a vida dentro de mim se tornou possivel disse...

Que bom que vc tirou aquele vermelho-era muito cansativo.
Teresa
Você pode não acreditar, mas qdo encontrei este texto e o postei, eu tinha certeza que vc iria fazer algum tipo de comentário - pq eu não sei! acho que sou sensitiva(rsrs).Eu não sei quanto tempo vc viveu essa relação que acabou e nem pq dá tanta importância ,mas uma coisa eu te digo como experiente de carteirinha,ou vc vira a página ou a vida fica um depré.Meu primeiro casamento acabou após 23 anos-foi barra!!sabe como superei e dei a volta por cima? TERAPIA (DEZ ANOS E SÓ TIVE UMA FALTA)se eu não tivesse feito um belo merguho em mim mesma, estaria fadada a falar igual que nem você.Hoje sou psicóloga e vejo que a humanidade está doente e faz muita resistência em se tratar.Não seria esse o seu caso? Deseje minha querida, deseje muuuiito mandar essa pessoa plantar batatas .
Mate esse fantasma -não vale mesmo a pena!! bjos

Francisco José Rito disse...

Bom dia. Emocionaste-me porra! Que mal tem o recordar, se o recordar tambem é viver? Ok, mandas o gajo "ir plantar batatas", como diz a doutora ali em cima e depois vives de que?! Vais andar 10 anos a viver em prol da consulta das quintas feiras, no psicologo? Ninguem manda outro ir plantar batatas, para ficar no vazio. Vive as memorias, mesmo que elas nao passem disso, enquanto a tua "fabrica" nao entrar de novo em funcionamento, a produzir realidades actuais e memorias futuras, porque a vida é tambem feita disso, de épocas, de realidades relativas e temporais.
Isto digo-te eu, que sou um simples taverneiro, sem desprimor de quem aparentemente conhece melhor da matéria.
Pior do que ter e perder, é nunca haver tido...
Beijos e muitas recordacoes, é o que se quer

Teté disse...

Acho que recordar é (re)viver também um pouco... desde que a pessoa não viva apenas em função desse passado!

Ainda me lembro, com um certo sorriso nos lábios, do meu primeiro namorado, da paixão assolapada que foi! Daí não vem mal ao mundo! :)

Beijocas!

Lebasiana disse...

já existiram autocarros verdes de 2 andares?! e gira discos?! (estou a brincar...)

adorava ter a capacidades que tens para escrever! ;)

jocas

continuando assim... disse...

é isso mesmo Francisco!!! e não é só um ... beijo :)

continuando assim... disse...

obrigada labasiana ... havia sim , 2 andares!!!!!
quando apareceram os laranjas, foi um desgosto :(

bj

S* disse...

Oh que porra... linda recordação. Quero uma igual.

Francisco José Rito disse...

O beijo era para ti :-) faltou-lhe a virgula nessa frase. Ves como o nosso idioma pode ser matreiro? lol Poes-lhe a virgula a seguir ao beijos e o caso muda logo de figura :-)
Boa noite

Quando a vida dentro de mim se tornou possivel disse...

Este recado é para Francisco Vieira e para as demais pessoas que entenderam errado meu comentário feito nesta postagem . Na verdade,o que escrevi está relacionada a um comentário feito pela pessoa deste Blog em uma postagem feita no meu Blog.Ela sabe disso.Espero !