domingo

ALICE VOLTOU Natal com camaroes capitulo 15

E um dia qualquer, Alice voltou.
Sentou que André precisava dela mais do que nunca, mesmo quando tudo lhe parecia quase irracional Alice voltava, porque sempre achou que quem ama nunca racionaliza. 
Voltou seguindo a chamada de André.
André continuava a gritar baixinho, chamava-a com força.
Tinha passado aquelas  longas semanas sem Alice, sozinho afundava-se em angustias e memórias que não queria ter, chorava dias inteiros sem encontrar razão.
Começava agora a descida anunciada, André descia a pique numa velocidade estonteante, alguém teria que travar aquela descida. 
Alice pensou que só ela o poderia fazer e por isso voltou com coragem para accionar travões mesmo não sabendo onde os encontrar.
Encontrou André deambulando pela casa vestido dum espírito fora do sítio, não se alimentava e perdia-se sem fome dentro de si próprio.
Olhava-a com um olhar disperso e aguado, sem expressão só conseguia revelar uma tristeza enraizada com tanta força que ninguém sabia como a conseguiria arrancar.
Alice tentava entrar dentro de André por todos os buraquinhos possíveis, tal e qual uma lagartixa que se molda e escava o seu caminho, assim conseguiria entrar.
Sem saber lidar com o seu regresso, Alice começou a detestar aquela casa que de tão vazia de amor, a enchia de arrepios gelados.
Tinham deixado a Beky no Algarve, no canil da senhora inglesa encardida pelo Sol. 
Apesar das saudades acumuladas e silêncio, Alice quase não falava para não acordar o passado. Não queria recordar o canil e os gritos, não queria perturbar André.
Desejava mais que nunca esquecer o passado, nem se lembrava que o passado era ela, era André, era tudo.
Esquecia as ausências de André quando decidiu ir viver para junto do canil, para ao pé da estranha senhora inglesa, levando a Beky com ele.
E esse passado era tudo, erradamente ignorava o passado tentando prever o futuro.
Erradamente acreditava numa mudança que já nem ela sabia como fazer. Erradamente, voltou a pensar que seria ela quem teria que tomar a responsabilidade de tudo, deixando-se comandar quase sem sentir.
Viu André como nunca antes o tinha visto, demasiado frágil, e sem força ancorava-se novamente a Alice, jurando que agora já não queria zarpar.
Alice fechava os olhos com  muita força para tentar ver o irreal, assim pestanejando, talvez ainda conseguisse acreditar. E desacreditada em tudo, voltava a acreditar em nada.
Voltou nesse dia, feliz segurava a mão dum amor que nunca quis deixar cair. As mãos secas de André entrelaçavam-se nas suas. 
Tinha frio, sentia sempre tanto frio...
O Inverno que ali passou foi tão gelado que Alice nem conseguiu sentir mais nada que não fosse a necessidade de aquecer tudo à sua volta. Travava agora uma nova batalha, ajudar André a sair do fundo escuro onde se deixava ficar inerte. 
Alice tentava puxar tentando não se afundar.
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NATAL COM CAMARÕES

Sem antes nunca o ter feito, comi camarões  na véspera de Natal.
Comi gulosamente, pensando que aquele seria o primeiro Natal de muitos, e que poderia comer com André qualquer coisa que não fosse camarões, ali ou num sítio qualquer.
Afinal eu voltei outra vez... e dizem que à terceira é de vez!
Habituada às felizes reuniões familiares da época, desta vez comi camarões.
Não comi bacalhau nem couves cozidas, não comi sonhos… desta vez romperam-se todas as tradições.

“Que vamos fazer André?”

Pergunto com receio, era sempre assim , o receio de tudo. Nunca sei qual vai ser a resposta , está tudo combinado duma maneira e de repente tudo se desfaz.
Caminhava com jeitinho no percurso das sua palavras… como quem caminha num lago gelado onde o gelo se estilhaça num passo em falso.
Lidava com isso como quem lida com uma constante “desrazão”.
Já tinha aprendido a lidar com tudo, depois de anos em que tudo, ou quase tudo, foi uma enorme “desrazão”…
Inventei palavras para codificar aquilo que mais ninguém entendia, códigos secretos dum enigma indesvendável.
Eu tentava mais uma vez, e não sabia a resposta…nunca a adivinhava.

“Odeio esta épocazinha…Odeio esta cidade Alice!”

---nada de novo ---

“Então onde queres ir André?”

-----desta vez adivinhando a resposta----

“não vou a lado nenhum! Vou ficar em casa sozinho… tu, vai lá ter coma tua família…”
Os meus olhos ardiam-me de tão abertos, continham as cascatas salgadas…. Porque o sal me queimava muito a cara…

“Mas o que se passa André? Não queres vir a casa da minha irmã-….? Vai lá estar toda a gente , menos o Vasco que foi passar este dia com o pai…”

---nem sei porque pergunto, se já sei o que lá vai dentro---

Eterno processo de vitimização, compreensível ? …com limites , talvez sim.
Limites que só agora avisto, ainda sem muita clareza. Está tudo tão escuro por ali…

“Não, vai tu!...a minha mãe também está à minha espera em Carcavelos, com o meu irmão…mas não me apetece lá ir…não me apetece…”

Era meio da tarde e já estava tão escuro, o tempo é cinzento nesta época, e o cinzento tem tantos tons…

“Está bem André. Se não te apetece não vás…mas vais ficar sozinho? E ficas bem…?”

---- que mania a minha de fazer perguntas desnecessárias e que me tornavam numa idiota---

“Sabes o que me apetecia Alice?... O que me apetecia mesmo?... Ir dar uma volta por Alcochete… ainda não lá fomos desde que chegámos de Londres…”

Assim de repente, vindo do nada. Nada tinha a ver com o que me disse momentos antes…André fascinava-me assim.
Agora já as cascatas rolavam sem pedir para passar, eram só lágrimas boas…. Feliz com tão pouca coisa, senti-me feliz, nem eu me entendia.
E como ele sabia atingir o alvo com uma flecha certeira na altura certa, no ritmo perfeito…
Sedutor, continuava a seduzir mesmo sem forças para tal.

---Alcochete, onde tudo tinha começado há tanto tempo atrás. O meu Pontão…a queda…o riso…os abraços, o beijo…e a esperança, a eterna esperança… tudo. Alcochete era tudo e nada…----

“Boa André! Vamos!”

--- não o vou deixar sozinho na noite de Natal, não posso, não agora… não vou fazer isso---

As reticências já faziam parte de mim. A minha decisão é sempre rápida, a correr…avalio tudo em segundos…nada pode esperar…e tudo é sempre tão reticente…

--- não vou esta noite lá a casa, não vou estar com os meus pais…vou lá amanhã. Hoje é mais importante ficar com o André, não o posso deixar sozinho…hoje não.---

“Eu fico contigo esta noite …” disse-lhe com o meu sorriso gravado na minha cara salgada.
“Ficas?!” olhava-me satisfeito e emocionado
“Claro que fico André.”
Eu fico sempre…

Chegámos a Alcochete já anoitecia, passear por ali e ver os mesmos sítios onde tínhamos ido, foi um soprar de boas recordações.
Voltar a sentir a saudade, que naquela terra, André tantas vezes deixou comigo…
Só podia correr bem…
Os telemóveis tocavam, chamavam-nos  a um e a outro , para as ceias familiares.
Com cuidado expliquei a todos que não ia, que iria ficar com André… perceberam, percebiam sempre.
O telemóvel dele não parava de tocar, e André não respondia, simplesmente não atendia.
Enervava-me esta mania que tinha, esta de deixar tudo no ar. Deixava tudo suspenso, mania de quem não se compromete, nem com nada nem com ninguém…
Nem por ninguém. Atitudes calculadas…
Era assim. E eu sabia tão bem que assim era…

--- mas porque raio não atende o telefone à mãe e diz que não vai?... porque tem que estragar sempre tudo a toda a gente…porquê esta necessidade de atenção?... Esta necessidade de ser o eterno incompreendido com estranhas reacções…era assim. Nem sei se seria assim propositadamente.---

Eu ainda não percebia quase nada.
Hoje, todos os dia me tento convencer que percebo…
Não falou com ninguém.
Mensagens da mãe, do irmão. Ficaram sem resposta , só porque lhe era mais fácil não responder.
Apesar de tudo, e dos telefonemas não respondidos, eu estava cheia de ar!
Estava feliz, seria o primeiro Natal que passávamos sozinhos.
(Podia ter sido uma viagem fantástica para um País longínquo… mas não… foi só um passeio a Alcochete, e eu conseguia estar feliz ao pé dele no frio de Alcochete)
Emocionava-me  pensar, emocionava-me andar por ali.
Acreditava , voltava a acreditar, eu tinha a certeza!
Nunca tendo segurança em nada…
Como se pode ter  alguma certeza, em quem não atende o telefone só para se proteger… de quê? Dele próprio?... eu pensava baixinho, sem fazer muito barulho dentro da minha cabeça, só para não acordar as incertezas. Arrumei o pensamento.
E pensamentos arrumados e telemóveis desligados, ali estávamos os dois para a nossa ceia de Natal.
Passava das sete da tarde e já tínhamos fome. Restaurantes fechados na véspera de Natal.
“ Alice, e se fossemos comer uns camarões a uma cervejaria

“Sim vamos… também já estou com fome.”

--- camarões?! Ainda é cedo para jantar, e hoje é Natal. Que sensação estranha…que deprimente, tem mesmo que ser assim?---

Sentados em frente a uma travessa cheia de camarões, sujámos as mãos… comemos , rimos e juramos que a partir daquele dia , iria ser sempre assim.
Assim, os dois…e o resto do mundo.
André sabia tão bem onde me tocar para que os meus olhos brilhassem.
Mas André não sabia que … 
Nós os dois, é partilha!

(continua)






14 comentários:

Mirella Cristina disse...

adooorei, quando tiver um tempinho eu leio tudooo. beijosss

Sonia Schmorantz disse...

Quero ser o teu amigo. Nem demais e nem de menos. 
Nem tão longe e nem tão perto. 
Na medida mais precisa que eu puder. 
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida, 
Da maneira mais discreta que eu souber. 
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar. 
Sem forçar tua vontade. 
Sem falar, quando for hora de calar. 
E sem calar, quando for hora de falar. 
Nem ausente, nem presente por demais. 
Simplesmente, calmamente, ser-te paz. 
É bonito ser amigo, mas confesso é tão difícil aprender! 
E por isso eu te suplico paciência. 
Vou encher este teu rosto de lembranças, 
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias...
Fernando Pessoa

Um domingo de paz e amor junto aos seus!
abraço

Observação: o vídeo está maravilhoso

bondearte disse...

No principio achei o teu texto muito longo,porem fui lendo e percebi que quanto mais eu lia mais eu queria ler, gostei do ritimo que você deu ao texto.
Gostei deste final!!!!
Achei muito legal.:)))

"Sentados em frente a uma travessa cheia de camarões, sujámos as mãos… comemos , rimos e juramos que a partir daquele dia , iria ser sempre assim.
Assim, os dois…e o resto do mundo.
André sabia tão bem onde me tocar para que os meus olhos brilhassem.
Mas André não sabia que …
Nós os dois, é partilha!
Congratulações
Obrigado por compartilhar conosco!!
Atenciosamente
Bom final de semana
Paulo

Sofá Amarelo disse...

E a partilha é feita de pedacinhos de letras que se comungam num mesmo livro, numa mesma história... continuando assim...

Moonlight disse...

QWuerida,

Continuo assim te lendo sempre que postas mais uns capitulos,sempre.
Não te comento pois nem sempre dá para isso.
Gosto muito mais de quando a letra é um pouquinho maior....mas quem sabe se isso não é apenas de meus olhos.
A historia essa me prende aqui com o entusiasmo de saber mais e mais.
A presonagem André é deveras alucinante e misteriossa...deixanos sempre a pensar qual será o proximo passo.Não sei se saberia viver assim com alguêm.
Mas a realidade da dupla presonalidade é muito mais que isso.
A doença polar é deveras complicada para qualquer um entender,preceber o que vai dentro daquele ser fragil e forte,magoado e triunfante,feliz e triste....
Continuo assim....te esperando e te seguindo sempre.

Bjinho cheio de luar

Valéria lima disse...

Natal maravilhoso a dois. Alice e André.

BeijooO'

Nicole disse...

Incrível :)

Juan Moravagine Carneiro disse...

Agredecido pela visita ao Rembrandt.

Voltarei com mais tempo!

até

Vitor disse...

ALICE,Sentado no "outro lado",está um homem louco,quiçá a comer camarões e a ler-te...espreita lá!

Graça Pereira disse...

Sempre que posso venho ler-te!
beijo
Graça

O LOBO de....POTT disse...

Pelos vistos continuas assim....completamente pirada.
Um Beijo

Maria João disse...

Gostei muito da sua escrita, Teresa, embora confesse que foi uma leitura "em diagonal", apenas porque me falta o ingrediente mágico; o tempo...
O seu livro foi desvirtuado na sua publicação? Está a fazer a apologia da literartura online? Eu confesso que sempre acreditei que ela se viria a impôr... é tudo uma questão de tempo.
Provavelmente vopu ficar sem contacto com a net a partir desta tarde e até terça feira, mas fico à espera de que me esclareça melhor, se quiser dar-se a esse trabalho :)
Abraço.

Moi disse...

Passa no meu blog tenho um selo para ti...
Perdoa-me a ausência mas o tempo nem sempre chega para tudo o que desejamos fazer.


Angel

continuando assim... disse...

Obrigada Angel ..vou buscar o selo assim que puder! um beijinho

Maria João: o tempo... sempre o tempo :) ...vais ter tempo de ler esta história bj

LOBO!!!!! que é feito :) por onde andas ... eu continuo assim... :) beijooooo

Graça : eu sei que passas sempre
:) obrigada bj


Vitor: já lá fui ao outro lado :):) bj

Juan : bem vindo!!!

Nicole: a história continua :) bjk

Valéria :) sempre presente . bj

Moonligth : beijo ,ainda bem que estás a gostar

Sofá amarelo: gosto que estejas por aqui :) bj

bondearte : que bom ... que a história de cativou :) bj

Sónia e Fada : beijoooossss


Boa páscoa a todos