quarta-feira

ALICE NÃO PARTIU A CONCHA capítulo 16

Depois daquele singular Natal que passou com André, os dias de Alice passavam devagar e com menos sobressaltos.
André parecia cada vez mais convencido da ajuda que necessitava.
 Estava disposto a alterar qualquer coisa dentro de si para se sentir melhor e assim, conseguir dar alguma felicidade a todos os que ainda não tinham desistido dele.
Raramente falavam daquele passado tão recente, um passado que tanto atormentou Alice e confundiu André, e vice -versa. Pois ambos ainda não o conseguiam decifrar.
Alice tentava arrumar um passado imenso, dentro duma das suas "gavetinhas" que se tornavam mínimas, deixando aquele passado transbordar por todos os lados. Alice fechava a "gaveta" e a "gaveta" abria-se com vida própria.
Desta vez Alice decidiu não desafiar o tempo, tentava viver tranquilamente. Fechando os olhos, agora devagar, gostava de sentir que começava a ser embalada em Paz que lhe era trazida pelos pombos que voavam sobre Lisboa e lembrava-se com saudades das suas gaivotas que a visitaram quando mais ninguém o fez .
Sugerindo toda a espécie de ocupação a André, conseguiu entusiasmá-lo e incutir-lhe um valor que ele, teimosamente, não acreditava ter.
Era só mais uma batalha a travar, mais uma entre tantas, em nome duma paixão sem fim , dum sentimento sem título.
Alice quando olhava para André, não percebia qual era a magia que dele emanava. Uma magia qualquer, mas forte. Tão forte que quase desprovia Alice de amor próprio, sabia que só o conseguia amar a ele . André enfeitiçava-a , e Alice, deliciada, deixava.
Olhava-o e via o seu homem alado que num dia poisou na sua varanda de Alcochete,fazendo-lhe promessas de amor eterno. Agora estava ali, sem asas, indefeso dele mesmo, tentando e não conseguindo proteger nada nem ninguém, continuava incapaz de amar.
Alice, mais uma vez , não sabia como lidar com um homem alado que não voa, que não se mexe, que não abre as asas.
Por toda a solidão que tinha sentido, Alice não queria nada do passado, não queria sentires, não queria recordações, não queria as "coisas" desse passado tão próximo. Esquecia agora o que sempre lembrou, que todos somos feitos do nosso passado. Todos seremos só o nosso passado.
Desejou tudo novo, desejava um mundo novo, um "novo" homem alado ou mesmo só aquele que ela pensou conhecer.
Que de asas abertas, com vontade de abraçar o mundo, poisou um dia na sua varanda , numa noite quente e de água mornas de rio .
Alice só queria voltar a ver André feliz, e não sabia como o deixar voar.


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HIDE IN YOUR SHELL


E sempre que te pensava André, via-te num caminho lilás, encolhido na tua concha que se disfarçava com ondas de areia.
E eu, numa sombra, via-te.
Quando o etu olhar não queria dizer mais nada, sentia-te preso a ti, e não conseguindo abrir-te ... fui tentando com uma faca... com os dentes, s+o quis partir a tua concha. Essa concha que mesmo de sorriso aberto mantinhas fechada, insistentemente, não podias, não a querias abrir.
Nem eu sabia André, nem me perguntava porque queria abrir a tua concha.
Não te conhecendo, por não mo permitires, ia descobrindo só o que conseguia ver para lá desse teu caminho lilás, tentando entender...acreditando que agora já estarias mais livre da dura concha que te encerrava e nunca te protegia.
Talvez hoje eu não tivesse feito assim André,como fiz, como tu sempre previas que eu faria.
Talvez hoje eu tivesse deixado que seguisses sozinho esse teu caminho lilás... não te encontrava.
Poderia ter percebido que a liberdade, que não sabias usar, era para ti mais que ar, era mais que luz. Era tudo o que se pode ter para viver.
Talvez hoje , eu não tivesse deixado que deitasses fora todas as nossas "coisas"
Eram só "coisas", eu sei... Tuas "coisas", minhas "coisas"... nossas "coisas".
Talvez tivesse percebido que só tentavas deitar fora um passado que não querias ter , mais um...e este tão absurdo, que por não o entenderes te aterorizava.
Materializavas tudo num só acto, que mais tarde nada seria, esperavas assim que dentro da tua concha, conseguisses descansar tranquilamnete.
Talvez hoje, eu tivesse entendido que tu, só queria voar, e que sem asas caías.
Talvez hoje , André, eu te tivesse deixado ser quem querias, mesmo não sabendo nunca o que serias...~
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" Não te preocupes minha querida, não vais ter nunca mais de lá voltar abaixo...Eu trato de tudo. Eu faço a mudança, e trago as "coisas" todas cá para cima."


Passava as sua mãos de veludo na minha cara.
Eu ouvia-o sem conseguir perceber o que queria fazer. Eu não queria lá voltar, agora não!
Aquela casa onde as gaivotas me apareciam ao fim da tarde, anunciando a visita da minha Lua amarela que me sossegava a solidão, durante todos aqueles meses de Verão.
Aqueles longos meses em que não soube viver sem André.... não queria voltar aquela imensa casa de chão frio.
Olhava-o , apática dizia-lhe que sim, mesmo sabendo como se iria sentir por lá... sozinho...


----Mesmo sabendo que desejavas viver uma outra vida qualquer, sem saberes qual a vida que querias viver---


Deixei que fosse sozinho, para "arrumar" tudo, para se arrumar, para brir a sua concha. Mesmo desesperando, estaria melhor sozinho.


"Sim André, está bem... vai sim... eu não sou capaz, nem quero voltar a Lagos..."
Dizia-lhe, afastando tudo o que me trazia aquela fresca varanda, onde a minha Lua amarela, se calhar, ainda me procurava.


Foi decidido, demasiado decidido, demasiado confiante nem sei de quê, nem em quê... tanto que eu sabia como André precisava de estar só.
Foi e arrumou tudo como soube, como quis, como lhe fez sentido. Abrindo a sua concha, André só fez o que lá de dentro lhe disseram para fazer.
Eu esperava que voltasse. Não tinha dia nem hora para voltar,desta vez tínhamos combinado assim.


Mais uma vez , eu continuava assim... à espera, agora com esperança renovada, um Ano Novo, eperava tudo desse nono ano que começava...
Não desfazia a teia, não enrolava o novelo... não entrando na sua concha, nessa onse se escondia, nem espreitei...esperei sem perguntar.


Chegou dias depois, demasiados dias depois...


"Já está a mudança feita , Alice " Disse-me sorrindo, sorriso rasgado
"Alice , agora sim, vamos começar tudo de novo!" dizia-me eufórico e algo inseguro...nervoso...


Sim...André.. e ...onde estão as "coisas" ?"
Perguntava não adivinhando a resposta.


"As "coisas" estão todas no lixo!"
"Deitei tudo para o lixo, lá em baixo... sabes aqueles contentores que estavam lá ao pé de casa, em Lagos?... Ficaram cheios de sacos pretos de lixo...


"Mas..deitaste tudo fora?!"


"Tudo Alice! As loiças, os livros...as roupas , os cds ..Tudo!"
Eu sorria aparvalhada, nervosa e baralhada, sem saber o que sentir.


"São só "coisas" minha querida, não vamos precisar daquelas "coisas" para nada...andamos agarrados a "coisas"
sorria-me e olhava-me com uns olhos vivos cor de garrafa


Sorri-le...de lágrimas a saltar...dizia-lhe que sim... são só "coisas"
Vamos começar tudo de novo! Sem coisas!
Agarrei-me com muita força a tudo o que eu pensei que tudo quisesse dizer.
Esqueci as "coisas", afinal a vida éramos nós... as "coisas" eram sóisso mesmo ...sem vida e inertes.


E sem os nossos livros, as nossas músicas, os nossos móveis... íamos criar outros quereres... íamos ter outras "coisas".


Feliz, estranhamente senti-me feliz, pensei que naquele acto que não explico, André tinha deitado fora todo o seu e o meu sofrimeto.


.... nem reparei que se deitava na sua concha ... suavemente ...


"Está tudo no lixo, Alice!"


(continua...)




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