sexta-feira

ALICE NÃO SOUBE LER - capítulo 3




Depois de algumas viagens ao Algarve, sempre atribuladas e cheias de misteriosos desencontros daqueles que Alice nunca sabia interpretar, um dia, quando voltava para a sua Vila, percebeu que lhe eram insuportáveis as ausências de André.
Já não sabia viver com toda a distância que a separava daquilo que tinha decidido ser o resto da sua vida.
Fazia tudo para se disponibilizar no tempo, enganava  o seu tempo num jogo de cabra-cega. Viajava, sem tempo,  para baixo e para cima numa velocidade alucinante. Rodopiava dentro dela, fazendo correntes de ar que pudessem levar o tempo para longe.
Incansável, nunca tirava a venda dos olhos, levava aquela espécie de jogo até a um final qualquer.
André não trabalhava. Sem emprego já há mais dum ano, ia procurando por aí algum lugar, igual ao que tinha deixado. Tendo sido,  durante anos, quadro superior duma empresa qualquer, tinha começado a desistir de ser outra vez uma coisa qualquer.
Todos os dias desistia teimosamente dele próprio, deixando que lentamente, todos os que lhe queriam, se afastassem e desistissem dele também.
Alice precisava de André para respirar, e André precisava de Alice para aprender a amar. E não se sabendo amar a ele alucinava-se, desesperando Alice.
Percebendo todas as dificuldades que existiam, Alice dispunha-se a tudo para tornara a vida de André a mais clara possível tentando preservar aquilo que mais a fascinava e que tornava tudo tão belo. Aquele sentir irracional.
 Peculiar forma de amar que tão recentemente tinha descoberto existir.
Sentia-se forte e confiava na sua enorme capacidade de trabalho.  Alice não temia desafios.
Certamente iria conseguir uma colocação em qualquer sítio, mesmo longe da sua Vila, da sua Cidade, das suas gentes...e sem se aperceber, começava a tomar como dela todos os problemas que pareciam nunca atormentar André, dentro da medida que seria razoável, Alice nem sabia se havia medidas, e encapotando tudo o que lhe parecia absurdo, continuava assim...
Encontrou razões, arquitectadas à pressa na sua cabeça, mais que suficientes para justificar as atitudes inesperadas de André.
André vivia nessa altura, numa casa habitada por ele e pela Lia, sua ex-mulher/mulher. Esperavam os dois a venda da casa, para separarem as suas vidas por completo.
Supostamente cada um seguiria um caminho qualquer.
Alice, treinada em esperas, decidiu esperar.  Tinha todo o tempo que o tempo deixava, para aguardar calmamente, tudo o que sempre desejou em segredo. Um desejo que se apresentava na figura dum homem alado, que nunca soube voar. Alice não se apercebia.
Brincava com o tempo, o tempo que fosse preciso, desejava que André ficasse junto dela, para sempre. Acreditava que para isso teria a força, o tempo e toda a tolerância necessária.
Confiava que um dia, um dia qualquer, tudo lhe poderia acontecer.
Continuando assim...
Alice tentava assimilar todo desespero de André. Os seus comportamentos exagerados, as suas atitudes intempestivas, pensava até que conseguia entender as oscilações de humor, que atacavam André quando menos se esperava. Estados de humor que oscilavam entre a uma imensa alegria e vontade de viver, e estados de alma escura, intempestiva e assustadora.
Assim era o André que Alice decidiu descobrir.
Muitas vezes, nem acreditava que aquela fosse a mesma pessoa que lhe aparecia de surpresa fazendo juras de amor eterno. Tal e qual como nos filmes, Alice vivia uma fita que com o tempo se pode desgastar.
Alice não entendia André, amava-a um dia, e no dia seguinte duvidava de tudo, até dele próprio. Nunca se concentrava verdadeiramente naquilo que desejava, talvez por nunca ter conseguido desejar nada. O seu passado só lhe tinha ensinado a defender-se de tudo, com todas as armas possíveis, desconfiando de todos, porque não sabia confiar. E Alice só tinha aprendido a acreditar, majestosa em compreensão, aceitava o que não entendia e esgravatava pedra até conseguir entender.
André refugiava-se na sua dura concha, e tantas vezes não respondia aos apelos de saudade, que Alice lhe enviava tão subtilmente, devagarinho, para nunca o assustar.
 Deixando-se ficar assim, invisível, distante, incomunicável,  longe de tudo, André cristalizava a vida de Alice.  Aquém dele e de todo o resto, desaparecia e voltava a aparecer sem qualquer aviso.
Alice conseguia sofrer pelos dois, mesmo sem saber que o sabia fazer, sofria em dobro sem nunca entender.
Não reconhecia atitudes às quais nunca tinha assistido antes, para ela tudo tinha que ter uma razão de ser, uma razão plausível, tudo se teria que explicar. Ninguém, por princípio, seria uma má pessoa...com más atitudes, com reacções impensada, que magoavam a alma. Assim lhe tinham ensinado desde sempre. Muito menos André! André não podia ser assim! Talvez porque o tenha tomado para ela, como o grande amor da sua vida. Frágil, precisava de ser protegido como um cristal fino, e com muito cuidado Alice pegava nesse amor, escondia-o dentro dela sem ninguém ver, naquele lugar que o defendia  de  quase tudo.
Toda a sua vida quis amparar todos à sua volta, só para esconder o quanto precisava de protecção.
E depois daquele imperceptível principio, assim continuou.
Alice, continuava assim...
Tinha tudo muito claro, num paradoxo sem explicação, e quase cegava com a intensidade da luz branca que entrava fortemente na sua cabeça sem ela nunca descobrir por onde.
Era evidente que se alguém tinha que mudar alguma coisa rapidamente na sua vida, seria ela. Só assim conseguia acelerar um tempo que não se queria mexer, só assim poderia ficar perto de André. Alice corria.
Estava por demais consciente que André nunca mudaria nada, ou levaria um tempo infinito que Alice não estava disposta a esperar.
Ainda pouco o conhecia e estranhamente sentia que já o conhecia tão bem. Segura em toda a sua insegurança, movida pelo seu vento, resolveu mudar tudo de repente, e como um relâmpago que cega, tudo transformou à sua volta.
Precisava de falar com o seu filho, nada decidiria sem a sua opinião.
Depois duma longa conversa, cheia de sentires, de lágrimas doces, abraços e risos ( com o seu filho era sempre assim, uma mútua compreensão , que de tão pura aterrava qualquer um) , Vasco foi o primeiro a empurrá-la para correr atrás do que poderia ser o resto da sua vida. Mesmo correndo todos os riscos, Alice decidiu, sem certezas de nada e com uma imensa esperança no futuro.
Naquela atitude tão sincera, Alice encontrou a lufada de ar que lhe faltava, o empurrão confiante de Vasco.
O seu apoio era fundamental, e seria só ele, a única razão que a podia fazer desistir de tudo, ou de voltar atrás e nunca descobrir o que aquele novo amor lhe poderia dar.
Alice dava tudo, pensava que o amor era isso mesmo, dar e nada pedir.

Por sua conta e risco mudaria tudo, nem cogitou consequências.



Não ouvia mais ninguém, não queria nenhuma opinião, já tinha a que lhe faltava.



Bastava-lhe isso tudo, para continuar assim…



Alice estava feliz









4 comentários:

Anónimo disse...

a história de Alice continua a apaixonar-me...beijos

Francisco José Rito disse...

Boa noite Teresa!

Muito bem. Em Dezembro procurei este livro no Porto e nao encontrei, mas ainda o vou comprar. Estou a gostar.

Beijo

Quando puderes diz-me o que achas do que acabei de postar agora "Morrer em pe":-)

Anónimo disse...

Estou gostando daqui
Beijo
Leca

Penélope disse...

Somente lemos as entrelinhas quando são convenientes e acrditamos não na verdade, mas naquilo que desejamos acreditar.
Estou a gostar muito