terça-feira

ALICE LÁ FORA capítulo 13

Viajar para Londres, implicava deixar para trás tudo o que tinha traçado até ali. A pulso, tinha subido uma corda cheia de nós nunca cessando de escalar até a um final tão desejado.
Não abdicaria de entender André.
Alice viajou sem medo, resolvida a começar tudo outra vez seguia a som da chamada muda de André.
Acreditou no que leu, porque sempre quis confiar em tudo, tinha aprendido assim. Esta viagem seria a derradeira oportunidade de realizar os seus acordados sonhos.
Tudo tinha começado na sinfonia dum grito mudo de desespero, depois de ter travado verdadeiras batalhas campais, onde tantas vezes saiu derrotada, estava agora decidida vencer esta que poderia ser a última.
Depois daquele Verão Lagos, onde se angustiou permanentemente, embaraçada em amarelas incertezas foi desfiando fios duma esperança cheia de cores. Uma esperança que de tão misturada em sentimentos se tornava branca como a luz que entrava intensamente na sua sala.imensa.
Durante todos aqueles meses, sair de casa para ir trabalhar era o único acto mecânico que mantinha Alice de pé e com força para todos os dias abrir a porta daquela casa onde se sentia sempre como uma sombra indefinida.
André tinha adorou viver os curtos momentos que ali passou, chegou mesmo a dizer-lhe que se Alice quisesse voltar para Lisboa ele ficaria com aquela casa, deixando Alice estupefacta de tanta incongruência.
Alice não gostava de entender essas palavras, recusava-se a pensar no que quer que fosse só para se confortar com o nada entender. Não queria perceber onde arranjaria ele o dinheiro para sustentar aquela casa.
Depois daqueles meses quentes e inquietos, não sabendo quase nada de André, que viajava sem saber como, para o outro lado do mundo numa viagem que Alice já não precisava de perceber. Sabia-o longe, sozinho e perdido num espaço e num tempo que não dominava, era sempre o que lhe dizia em todos os contactos que estabelecia com Alice, gritando-lhe baixinho que não suportaria  ser abandonado por ela.
Alice, do lado de cá, esticava todos os fios como conseguia. Baralhava os fios todos, sem jeito para manipular marionetas. Apoiava-se em loucuras que não conhecia, e pedia ajuda a André para poder comandar marionetas, ele sim sabia como o fazer, mesmo há distância, mesmo sozinho, mesmo perdido em si, André primava com a sua habilidade em dominar todos os fios. Há distância, ensinava Alice.
Ao ler o mail que recebeu, Alice esqueceu tudo o que se tinha passado, e só pensava no dia marcado paara sair dali para o outro resto da sua vida . 
Acreditou nas palavras de André e sabia que, no momento em que as escreveu, era exactamente o que ele sentia. 
Assustada, também sabia que aquele sentimento declarado como um poema de amor, no momento seguinte poderia ser completamente antagónico. E nesta enorme barafunda, tentava continuar assim.... 
Compreendia-o em estranhas atitudes que mais ninguém se dava ao trabalho de perceber, todos pareciam ter desistido de André, e sem consultar ninguém, decidiu que não desistiria, iria atrás do sonho inacabado.
Despediu-se do trabalho, e mais uma vez foi só com um bilhete de ida.
Não sabia como iria encontrar André depois de tantos meses, passou-lhe pela cabeça que até poderia simplesmente não o encontrar lá, naquela cidade que ela desconhecia.
Agora Londres seria outro princípio, partiu com uma enorme confiança em si mesma, só podia confiar nela própria e desconfiava do tempo que sempre lhe pregava tantas partidas.
Olhando para um futuro esbatido, comprou um bilhete de ida num balcão do aeroporto de Faro. Gastou o pouco dinheiro que tinha, sabia que André estava sem nada,  por isso levava com ela o resto do pouco que tinha conseguido juntar para recomeçar não sei o quê num sítio qualquer.
Receosa de tudo e com uma coragem que lhe chegava para afastar as nuvens cinzentas e pesadas, se assim tivesse que ser, para o avião passar, seguiu para Londres sem olhar para trás.
Viajou quase sem se mexer na cadeira, ao seu lado sentava-se uma menina com cabelos de ouro que fazia desenhos a lápis de cor
Alice misturava dentro de si as cores dos lápis , as manhas coloridas num papel branco, onde a menina desenhava os seus sonhos. Imaginou que se um dia tivesse uma filha era seria exactamente assim, de ouro. Afastou de imediato o pensamento e mergulhou nas imensas saudades que tinha do seu filho, já sem saber acreditar se tudo teria valido a pena, a distância, as ausências, as saudades... olhou a escuridão do céu e deixou-se levar. Procurou o lado escuro na Lua , queria vê-lo , queria sempre entender o que ninguém se atrevia a tentar.
Agora , Alice só queria que o par de horas que a separavam de André, passarem sem ela dar por isso. Dentro de quase tempo nenhum, estaria novamente com André, e os dois iriam embranquecer juntos, como tantas vezes tinham dito um ao outro. Mesmo que fosse numa outra terra qualquer, mesmo que fosse longe, sonhava assim sonhos antigos que dentro dela se moviam numa espiral complexa e deixava a sua mente rodopiar dentro deles, deixando-se cair e onde gostava de se perder.
A viagem foi curta, o tempo tinha sido seu amigo, saiu do avião guiada pela multidão caminhando num aeroporto que não conhecia, e sem olhar só queria chegar ao fim  daquele caminho.
À sua espera estava André, que se movia por ali como peixe na água. 
Alice sentiu o que desejou sentir, o coração acelerado, a húmida e fria transpiração nas palmas das mãos e sem se aperceber o seu sorriso soltou-se livre e autêntico. 
Alice não tinha desaprendido de sorrir sorrisos contagiantes.
O encontro foi de filme, e mais uma vez Alice viveu uma vida inteira num beijo e num abraço. Só André conseguia fazer sentir o que ninguém sabe que existe, ela era afortunada por conseguir viver aquele momento com uma intensidade enforme e secreta.
Passearam os dois por Londres durante uma semana, nervosos e verdadeiramente felizes. 
Alice desejava que aquele estado hipnótico nunca terminasse, agora conseguia deixar só de imaginar um sonho, caminhava dentro dele e convencia-se calada que os sonhos se podem sempre realizar.
Ali tudo era perfeito e por momentos , Alice pensou que poderiam ficar os dois naquela cidade, e viver para sempre caminhando em trilhos de algodão.
Agora estavam novamente na estaca zero, tinham o mundo nas mãos e podiam dançar com ele, mas para isso seria preciso toda a coragem que Alice sabia que André não estaria disposto a ter. 
Todos os dias esperava que André a pudesse surpreender.
Caminhou deslumbrada, com tudo o que aquela cidade lhe conseguia passar. Ela poderia viver ali com André, mas nunca se atreveu a dizer nada receando quebrar o encanto que cada vez lhe parecia mais forte. Mas os encantos são frágeis e estilhaçam-se como bolas de sabão, nunca os podemos perturbar.
Os dias passaram, depois de infindáveis caminhos engolidos por eles, nas ruas de Londres; depois de pequenos almoços que os alimentavam para o resto do dia; e depois de tudo o que viu, Alice esqueceu-se que tinha deixado tudo a meio em Lagos.
Esqueceu-se imediatamente e nunca mais se quis lembrar.
André conhecia muito bem Londres, perdia-se em lojas de material de mergulho que olhava vezes sem conta e horas a fio. Alice espantava-se e mergulhava a fundo nas enormes livrarias da cidade.
Andavam depressa, percorriam enormes jardins deliciados com a quantidade de esquilos que viviam livres por ali, atravessavam pontes sem saber o que encontrariam do outro lado. 
Sem receios caminhavam automaticamente, regressando ao hotel cansados e felizes.
Pelas ruas cinzentas e frias de Londres, passeavam de mãos dadas sozinhos numa terra lá fora, e faziam planos para o futuro. Pela primeira vez planeavam um futuro a dois e os dois, como dois adolescentes que iriam experimentar uma vida conjunta.
Alice maravilhada com tudo, não querendo acordar daquele sonho vivido de olhos abertos, esquecia o passado.
Aquilo não podia acabar ali, Alice não iria deixar.
Já próxima a data da partida, André demonstrou um interesse enorme e repentino, de recomeçar tudo em Lisboa.
Alice admirava-se pois sabia o quanto André odiava Lisboa, más recordações, infância solitária em afectos. Lisboa não era o lugar de André, e curiosamente parecia confiante.
Alice nem notou que André estava demasiado firme e confiante, naquele momento nem cabia em si de contente, ia voltar para casa, ia voltar a estar perto do seu filho, de toda a sua família. E isso já era quase tudo.
Acreditou que finalmente poderiam ser uma família.
Mas André era tudo menos um homem de família, e isso Alice ainda não tinha querido perceber. 
Ia continuando assim... caminhava dentro do seu sonho desejando não haver acordar.

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LÁ FORA
Lá fora, o tempo é diferente.
Decidir o resto das nossas vidas no meio duma estranha e confortável multidão, é fácil .
Assim é sempre tudo mais fácil.
Só assim como pensamos naquele momento...lá fora. E eu sorrindo acredito.
Eu podia viver fora do mundo...
Tudo era ilusória mente perfeito. O tempo que em tudo manda, tanto lá como cá.
Eu tinha começado aquela minha breve viagem.
Sem mais pensar, à pressa fiz um saco qualquer. Susto!
De repente olho para a esquerda, ouvi o meu nome gritado caladinho...
Ele, nós ali...para se tudo só era preciso corage.
Algumas notas na carteira, viajando naquela cidade.
Abraçados saímos para o frio de Outubro. Iria estar bem disposto...o tempo, o nosso tempo.
E volto a cometer o mesmo erro.
Não a escolha...mas dá-me a razão, eu não estou a pedir uma segunda chance, estou a grita-la com toda a força do meu pensamento!
O tempo...aquele tempo que sempre brincava comigo.
Nem pensei nisso, arrumei.
Era preciso não cometer os mesmos erros...
Despidos de compromissos com o mundo...lá fora, onde o tempo não manda tanto!
O futuro que começava ali... ou não... a saudade que morria ali... ou quase...
O beijo! Abracei-o não acreditando que ali estava.
Boca dele....olhos dele... lindo...esguio...
Não o via há meses.
Passei todas as portas, cheguei ao fim...onde está?
Sorria sempre, o sorriso voltava a pregar-se a minha cara.
Não falava , sorria calada.
Sem voz, coração que descompassava, batia ao ritmo que queria
Coração que não cabia...cabeça alta!
Passo firme.
caminhei levada pelo movimento da multidão. 
Gabardina branca

---- ninguém vai para aquela cidade sem gabardina---

nervosa, cheguei sozinha, voei até lá.
Tinha começado a ter saudades do futuro , outra vez.
E gostando de pensar assim, esperei o voo que me iria levar para lá, para o futuro.. um futuro que com ele poderia acontecer.
Até pode nem lá estar, pode acontecer tudo, e senão está...e se André não aparece?

---- assim estragas tudo!! arruma lá isso...enche a "gavetinha"----

 Sem medo , com bilhete só de ida.
Comprimida, feliz e assustada, eu fazia.
Fazia-me esperar tanto, o meu tempo...o tempo brincava comigo.
Eu esperava a hora do voo no meio de caras estranhas, sorridentes e vermelhas.

---- deve chegar para dois ou três dia...deve chegar, depois logo se vê----

Último dinheiro dentro da carteira.
Bilhete comprado.
Já sentindo, sem saber, que dali donde partia eu não voltaria mais.
Uma despedida sem data de regresso... daquela casa que ele amou e odiou...
Da enorme varanda onde poisavam as minhas gaivotas, que me ouviam a falar com a minha imensa Lua amarela.
Uma despedida daquela casa , numa terra que não era a minha, que nem tinha sido a nossa.
Uma despedida daquela cidade de veleiros e barcos de pescadores.
No aeroporto, o bilhete de ida comprado à pressa, deixava tudo lá atrás.
Contei os dias... decedi ir sem pensar em mais nada. Apesar de tudo e contra tudo o que seria racional.
E...
E o inesperado que era o maior fascínio..e a vontade que tinha de o voltar a abraçar...a falta que me fazia . 
A falta que eu lhe fazia...

" Agora eu sei Alice. Agora eu tenho a certeza que te amo e que quero viver o resto da minha vida contigo, é contigo que quero ficar. E eu sei que tu também sentes o mesmo...tu nunca me abandonaste, mesmo quando já ninguém acreditava em mim... Porque não vais ter comigo a Londres? Eu vou sair daqui de Manila, depois digo-te quando chego a Londres... Vem ter comigo Alice, espero por ti em Londres. Hoje eu sei que te amo e que não vou poder viver sem ti , nunca mais."

Recebi um mail...dizia-me tudo isto.

Pensava lá fora, assim ...andando por passeios imensos, eu pensei no tempo..teria que transformar o tempo.
Eu pensei em tudo. Eu vi tudo, com olhos que matavam saudades.
Afinal, eu poderia viver dentro ou fora do mundo, em qualquer sítio, em qualquer lugar.
Eu poderia viver ali. Ali, onde me apaixonei pela vida outra vez.
Ali, onde continuei apaixonada por André, alimentando essa paixão em cada palavra, em cada gesto, em cada segredo soprado ao meu ouvido.
E em cada promessa eu acreditei na paixão.
Ali, onde eu nunca tinha estado. Naquela cidade fria na pele e quente na alma.
O lá fora, disse-me que sim...

--- será que desta vez vai ser tudo diferente'----

Lá fora é mais fácil decidir tudo, tudo nos parece menos real, ou tudo se torna tão real e intenso que por momentos adormecemos e sentimos que o tempo já nada manda.

" Sabes Alice, tenho estado a pensar, e o Algarve já não me faz sentido...quando sairmos de Londres vamos para Lisboa ! Queres Alice?... vamos começar tudo em Lisboa! " Sorria-me

Eu acredita...eu só queria continuar a acreditar...
Recebi um mail em Lagos e parti para Londres ...
não fechando nada atrás de mim...



8 comentários:

JRonson disse...

tm d me explicar ainda essa historia do seu livro nao ter sido publicado (penso eu), ou q causa ta defendendo :)

continuando assim... disse...

JRonson : Bem vindo ! o livro já foi publicado sim...e muito mal tratado pela editora

podes encontrar a explicação aqui:

http://continuandoassim.blogspot.com/2009/11/citacao-com-indignacao.html

bj

Inês Dunas disse...

Vim deixar uma beijoca à Alice!

Unknown disse...

Bom dia
Passei e li esta passagem idílica por Londres.
Quando as pessoas tem um sonho e acreditam nele tudo fazem para o realizar.
Quantos dos nossos sonhos é necessário parar para logo depois recomeçar...?

bondearte disse...

BELISSIMO TEU TEXTO.
"Pensava lá fora, assim ... andando por imensos passeios, eu pensei no tempo .. teria que transformar o tempo.
Eu pensei em tudo. Eu vi tudo, olhos com que matavam saudades.
Afinal, eu poderia viver dentro ou fora do mundo, em qualquer sítio, em qualquer lugar.
Eu poderia viver ali. Ali, onde me apaixonei pela vida outra vez".
CONGRATULAÇÕES
BOM DIA
PAULO

continuando assim... disse...

Paulo: bem vindo e obrigada pelas palavras :)

direitinho: só assim vale a pena sonhar , mesmo com tombos por todo o lado :) :) bem vindo !!

Obrigada Inês :)

Célia palma disse...

Estou a adorar. Parabéns :O)

Anónimo disse...

Quando uma poesia
Penetra em sua alma
Ela vai alem do olhar!

Ana Beatriz Nascimento


Linda e abençoada noite!!