domingo

ALICE OUVIU UM GRITO MUDO - capítulo 1 ( des continuando assim... )

 Alice vivia uma vida escolhida por ela.
Depois de um casamento, acabado há muito, movido pelo desamor que se instalou ao longo do tempo,terminou morrendo de velho.
Sem dramas nem nada de muito relevante, simplesmente terminou, assim como acabam tantos outros, que com a idade se apagam numa saudade já quase não sentida.
Dessa relação nasceu o Vasco, que a fazia respirar, chorar, rir e sorrir sem medo de nada. Tornando-a feliz por viver e lhe ter dado vida.
Alice vivia orgulhosa do seu único filho, dizia para que quisesse ouvir que o Vasco era e seria sempre o melhor de toda a sua vida.
Criada numa grande família, que a ensinou a ser sempre aquilo que quisesse ser, confiava em todos porque nunca ninguém a ensinou a desconfiar. Vivia para eles, longe ou perto, viveria sempre para todos eles.
Naquela família imperava o sentido de solidariedade acompanhado pela partilha de valores, tinha sido sempre assim, desde que se lembrava de ter começado a pensar. Assim aprendeu, seria sempre assim que  tentaria ensinar.
Aplicava todo o seu ser, o seu saber, para formar aquele rebento de flor .Um rebento que crescia dela a grande velocidade, como um caule fino e verde, que nasce duma planta bem e de repente se separa, procurando a luz , que o fará viver e descobrir o seu caminho.
Alice engolia, sem esforço, cobras e lagartos em conversas que se predispunha a ter com o seu filho.Ensinando-lhe tudo o que um dia já tinha aprendido.
Conversas intermináveis onde tudo tinha uma razão e uma urgente explicação; era assim que Alice sabia fazer. Assim vivia tranquilamente, ensinava o Vasco a ir vivendo e aprendendo.
Vasco, com todos os seus medos, confianças e desconfianças, deliciava-a com as suas longas dissertações, tantas vezes perdidas, ou ganhas , espalhadas nas horas da noite. E que sempre terminavam em gargalhadas esvaziantes.
Admirava o seu filho, pensando que por algum motivo mereceria ter um filho assim, tal como ele sabia ser e tal como ela sempre desejou que ele fosse.
O Vasco vivia uma liberdade conquistada por pura responsabilidade, com todos os valores mais puros, alegremente acompanhados com nobres atitudes.
Alice tinha a absoluta consciência que era difícil viver assim, mas que seria sempre essa a forma mais sensível de nos posicionarmos nesta espécie de selva, na qual se tornou o nosso simples viver .
Recentemente tinham comprado uma casa em Alcochete. 
Alice, da sua janela, avistava as luzinhas do outro lado do Rio. Ali vivia, tranquilamente, naquela pequena vila de encantos.
Algum tempo depois da compra da enorme casa, Vasco decidiu ficar a viver em Lisboa, mais perto de tudo, mais próximo do seu futuro.Alice nunca se opunha a nenhuma conquista, assim, não atreveu a cortar-lhe as asas. 
Alice assim ficou, quase sempre sozinha naquela imensa casa. Deixando Vasco voar, respeitava-o e apoiava-o sempre. Mesmo que essas decisões saíssem fora de qualquer padrão de senso comum, importava-lhe mais que tudo a sua felicidade.
Solitária nas suas paixões, vivia rica em valores.
Alice, orgulhosa com o que ia conseguindo, pautava suavemente a sua vida em função da sua independência, em função da liberdade de Vasco, as quais defendia sempre com todas as suas forças.
Só livre poderia ser feliz, só livre poderia ensinar felicidade.
Naquela altura, Alice ria por tudo e por nada, sentindo-se contente por conseguir viver como gostava. Sorria para todos, muitas vezes sem razão aparente, apenas com aquela que só ela conseguia entender.
Ria, espalhando o brilho de raios solares, por onde passava. Rodopiava por todo o lado, tal e qual um imenso girassol que procura a luz que lhe dá vida e cor.
Desde muito nova, Alice aprendeu a fazer da sua liberdade individual, o seu cavalo de batalha. 
E assim vivia com força. Tantas vezes incompreendida, nessa peculiar forma que regrava a sua vida, tantas vezes sozinha rodeada de tanta gente.
Mas dentro de toda essa tranquilidade sentida e aparente, pulsava um desespero quase incompreensível. Um desalento que a assustava, com o qual ela não sabia viver.
Habituada a viver apaixonada por muitas coisas ao mesmo tempo, brincava com a solidão que chegava sem aviso, brincava com ela para disfarçar a dor, tapando o buraco branco que teimosamente se instalava no meio do seu ser.
Sozinha, naquela pequena vila, avistando as luzinhas, para lá do seu Pontão que abrigava pescadores, sonhava como toda a gente gosta de sonhar. 
Idealizava em absoluto segredo, que a vida lhe poderia trazer um amor já há tanto tempo não sentido, esse amor que poderia chegar assim de repente, nas redes dum pescador, num barco sem vapor, ou mesmo transportado nas asas dum homem alado construído  só no seu engenhoso imaginário.
Alice fechava e abria os olhos muitas vezes, com muita força. Queria descobrir para lá do perceptível, e para isso utilizava todos os truques possíveis, aqueles que aprendeu em menina, e que agora, divertidamente, lembrava-se e experimentava.
Nova etapa que estava segura de saber viver.
Tudo parecia perfeito.Sentia-se feliz por isso.
Mas... faltava só o que faltava....
Alice sabia que não conseguiria viver mais tempo, sem sentir o seu coração estremecer e acelerar; sem sentir de uma maneira intensa e viva uma qualquer paixão, que lhe tapasse o seu buraco branco. Saudosa da ansiosa transpiração nas suas mãos, das cócegas na boca do estômago, já nem se lembrava como era esse sentir, e sorria em silêncio com uma absurda expectativa em tudo o que a rodeava. 
Agora, queria mais que nunca , soltar aquelas suas gargalhadas vindas do nada, gargalhadas que esvaziam a tristeza em segundos, gargalhadas de quem assim se deixa apaixonar.
Cheia de tudo, transbordava numa imensa solidão. 
E a solidão é baça, não tem cor, nem sequer é transparente. A solidão instala-se sempre tão devagarinho, e sem nos apercebermos de nada, abre fundas alas dentro de nós. Vai ficando sem avisar, estabelece-se assim que encontra lugar, e vem sempre acompanhada desse tal buraco branco, pronto para lhe servir de baloiço.
A solidão nunca vive sozinha.
Alice divertia-se consigo mesma, fazia firmes castelos de farófias. Imaginava um desembarque de piratas de rio, ali mesmo no seu Pontão.Brincava sempre, só para abafar o som mudo do buraco branco, afastando assim aquele incómodo indesejado.
Convencida que a vida poderia ser quase perfeita, apaixonava-se por nada,  porque lhe parecia sempre que nada mais havia, e ansiava intensamente enamorar-se te tudo.
E um dia, quase por mero acaso, ficando umas horas tardias no seu escritório, mesmo ao lado da sua grande casa, Alice ouviu um grito mudo. Um grito que saía sem som, pelo escuro monitor, ali mesmo no seu computador. Chamava por ela com toda a força que ela quis ouvir e sentir.
Um grito tão automático, tão forte.
" Coming bak to life "

(continua...) 

9 comentários:

Luz disse...

Teresa,
Para começo, estou a gostar :), vou acompanhar de perto, vou ler cada palavra e, farei a minha interpretação, Teresa uma mulher que sonha e, tão apaixonada quanto eu!

Bjo de Luz

Anónimo disse...

fico à espera do resto da história, já estou a gostar.

Bags&Books disse...

gostei, assim como do blog.

beijinhos

Siouxie disse...

Gostei do espaço, do que li e deste livro que espero ler repleto de sentidos de tantos nós.

Beijo

DREAMS disse...

ola Teresa

estou a gostar :-)
fico a espera do final da historia.

Beijocas e uma boa semana

continuando assim... disse...

obrigada aos seguidores :) :) , hoje à noite mais um bocadinho da história

Guma disse...

Olá Teresa,
Grato pela amável visita ao meu blog.
Fico satisfeito por vir aqui agradecer e deparar com estória da Alice, que me surprende pela positiva em termos da narrativa.
Vou continuar a ler a seguinte postagem e envio o meu kandando amigo

continuando assim... disse...

obrigada a todos vós ... pois isto é só o princípio , tenho a dizer que o livro tem 18 capítulos :9 e outros tantos sub capítulos :) ou seja ainda vai no início!!!
agora que me meti nisto ...vou ter que terminar lol

beijooooos

Mia disse...

Ainda so li o primeiro capitulo mas ja estou a gostar logo que tenha mais um bocadinho de tempo irei ler os restantes.