quinta-feira

doctor doctor give me the news....


E lá fui eu para o "campo" visitar médicos. Trazia a lição bem estudada... abordar quem tivesse como indumentária...a preciosa bata branca. 
Nessa altura visitava os médicos de especialidade e apresentava medicamentos de investigação. 
Os médicos faziam perguntas...mostravam interesse, e aprendiam !


Este "estado de graça" durou ainda uns 3 anos.


Mudei de laboratório, e durante mais 5 anos as coisas continuaram a correr éticamente.


Observava o rodopio de delegados nos centros de saúde nos hospitais.... Médicos a chamarem delegados do laboratório "tal " e do "tal"... 
e eu , como não tinha para oferecer , aquilo que era realmente "importante" (pensava eu , informar os doutores) , lá esperava... e esperava...


Saíam sorridentes dos gabinetes dos médicos...muitas palmadinhas nas costas , muitos risos e sorrisos ,muitas meias-palavras.


e eu lá esperava ...e esperava ...que o Sr. Dr. ,encontrasse um tempinho para me receber...


Muitas vezes, (mas mesmo muitas) as visitas...que deveriam ser de informação médica, não duravam mais do que dois minutos, sem que o Sr. Dr. se dignasse , a tirar os olhos das receitas que estava a passar em catadupa!


Depois,  percebi porquê...não tinha nada de "jeito" para lhe oferecer....
O Dr. não queria informação... e eu que pensava que era delegada de INFORMAÇãO médica... mas não era. De facto não era.


Os médicos já conheciam os medicamentos!
O que é que nós andávamos ali a fazer? Para que quer um médico mais informação de um fármaco que já prescreve há mais de 20 anos? Que não lhe traz nada de novo??


E foi assim, que nos bastidores dos Laboratórios da Indústria Farmacêutica ,o médico passou a ser "O CLIENTE"...e o Delegado de informação Médica ...passou a ser "O GESTOR DE ZONA" ou"O GESTOR DE CLIENTES". 
Ou seja.... As nossas "visitas" passaram a ser "transacções comerciais"!!.......


Mas afinal...quem paga esta factura...é o doente, e só ele.... "Engenhoso" .


E então,  comecei a ver doentes que se dirigiam às urgências com uma dor de garganta (fácil diagnóstico ),  e que em lugar de sair com a prescrição de um anti-inflamatório e um anti biótico, saíam com um receituário de "levar as mão à cabeça"...
Cheguei a ver numa mesma receita, 2 anti inflamatórios diferentes, 2 antibióticos diferentes, 2 anti piréticos diferentes...um xarope para a tosse e um anti tússico em comprimidos!!!! (agora...tirem as vossas próprias conclusões)


Será importante referir também....que nessa urgência se encontravam pelo menos 10 "gestores de zona", muito bem apessoados, com sacos de brindes... e lanchezinhos...e bolinhos.... e conversinhas com os Drs. que por ali andavam... e confirmações de datas... de mais não sei o quê...de tudo e mais alguma coisa!!! ....e ESPANTEM_SE! é expressamente proibido visitar os doutores nos serviços de urgência!....mas o "patrão " quer números!
Quer VENDAS NA ZONA!!! O delegado de informação médica...tem de VENDER.... não tem de "informar" nada.
Utilizando para isso, os meios que quiser ,que puder...que inventar....os números têm de aparecer no fim do ciclo! senão...são dispensados...!


Pois é...é de gritos e é espantoso....como é que ninguém faz nada...



Mas ainda há mais.... a saga continua ...








15 comentários:

Francisco José Rito disse...

Bom dia Teresa. Como teu amigo, devo dizer-te que acabaste de comprar uma guerra :-)
Um beijo e ate amanha

Teté disse...

Oh, Teresa, que saga essa! Depois de acabar o curso, o primeiro emprego que consegui também foi como vendedora. Mas como me faltava o espírito de impingir às pessoas aquilo que não queriam comprar, percebi a tempo que não tinha jeito e desisti!

A minha médica até me ajudou a decidir: estava a entrar em depressão! Em menos de seis meses... :S

Haja força para levar a vida em frente, que todas essas experiências não foram inúteis e contribuíram para nos conhecermos melhor a nós próprias! :)

Quanto à pandilha dos amigalhaços e assim, nessas ou noutras vendas, bem percebi como funcionam!

Beijocas!

Teresa Lobato disse...

Gostei deste post e da tua frontalidade. Falas de coisas que ouvimos contar a terceiros, mas tu fizeste-o na primeira pessoa. E agora um segredo: nós, os professores, sempre invejámos as prendinhas dos médicos (rsrs). Íamo-nos contentando com umas pastazitas a imitar a pele, com uma canetitas e uns livritos. Agora, até isso nos tiraram.
Pois é... o que nós "vendemos" não se vê nem movimenta milhões. Triste do país que não olha para a Educação e para a Saúde como campos de intervenção prioritários.

Beijinhos

Minhoca disse...

Gostei, esta muito bem, agora onde esta a novidade??? Não foi sempre assim???

:)
Bjs

AnaMar (pseudónimo) disse...

Sendo um relato na primeira pessoa e tendo em conta a liberdade de expressão, é bom podermos soltar a voz, numa libertação de indignidades ultrajantes que nos consomem no dia a dia, quer sejam nas nossas profissões, quer nas acções que vamos presenciando.
Por acaso sempre me fizeram alguma confusão, os Delegados de Informação Médica. Não as pessoas em si, mas a forma como exercem as respectivas funções.
Isto, não só porque entendo a "revolta" de alguém que leva a sério a sua profissão e se frustra por se sentir apenas vendedor dum produto, mas também pela minha própria revolta em sentir na pele, os procedimentos pouco respeitosos que alguns médicos têm com os doentes e com os próprios Delegados de Informação Médica (creio que antes a designação era Propaganda e não Informação, se não estou errada...) quando marcam entrevistas a meio de consultas, fazendo os doentes esperar mais do que o habitual,criando um mau estar, pois para os doentes , os Delegados passam a ser "persona non grata".
A solução parece tão simples: dignificar o trabalho deste grupo profissional, passando por marcar entrevistas em horas que os médicos prestem atenção aos entrevistados e que não prejudiquem o desempenho dos clínicos envolvidos. E dos doentes que esperam consulta e que mesmo sem quererem criam alguns "ódios de estimação" a estes desconhecidos que só estão a exercer a sua profissão.
Espero que não tenhas dissabores no teu trabalho, como avança um amigo teu.
Bj

Cirrus disse...

Sinceramente, não beliscando o valor daqueles que a têm como profissão, essa função devia ser expressamente proibida. Ou melhor, nos moldes em que se processa, devia ser expressamente proibida.

Goldfish disse...

Nada como o retrato dos bastidores...

Catsone disse...

O Francisco vaticinou uma guerra, mas venho aqui em paz, LOL
No meu CS os teus colegas (se ainda fores delegada) nem se atrevem a vir com este tipo de conversas. Sei de uma história em que um foi corrido por ter oferecido dinheiro a um colega meu daqui. Mas, infelizmente,penso que o que transcreveste é real... e infame.
No entanto, não sei há quanto tempo ocorreu aquilo que escreveste, mas tenho a noção de que esse tipo de abordagem tem diminuído (mas pode ser ingenuidade).
*

Teresa Diniz disse...

Olá Teresa
Obrigada pela sua visita. Vim aqui outra Teresa e encontro esta saga, que todos conhecemos de ouvir contar mas... o último que apareceu na televisão a contar estas coisas, apanhou umas valentes sovas, se bem me lembro!
"Continuando assim..." arrisca-se bastante, não?
Bjs e coragem.

continuando assim... disse...

li-os a todos :) obrigada pelos vossos comentários .... quanto ao risco e a comprar uma guerra.... enfim... assim seja. :) já não sou delegada de informação médica há uns anos ... mas está tudo igualzinho ou pior :( segundo me contam os "bastidores" :) . Foi a minha vida durante mais de 15 anos ! e... a saga continua :) estes textos foram escritos por mim já há uns 2 ou 3 anos , servem de base para o proximo livro :)

vamos lá então .. continuando assim... :)

Francisco José Rito disse...

Grande Mulher! :-)
Boa noite!

Carlos Albuquerque disse...

Leio este post e, minha amiga, o quanto eu estou de acordo! "As nossas vidas passram a ser transacções comerciais".
Sabe (julgo que sim!), um grupo privado de referência no campo da saúde, decidiu atribuir a cada doente que demanda, como particular (e não pelo SNS), pagando, portanto, em dinheiro vivo os exorbitantes preços de consultas e exames, um cartão - "Saúde Cartão". Tal pedaço de plástico garante estacionamento gratuito, atendimento prioritário (à parte)e acompanhamento pessoal!
As pessoas que atendem os doentes, num balcão separado dos destinados ao resto do povo, têm ao peito a identificação e escrito, a letras gordas, "Gestor de Cliente"! Tal qual, "Gestor de Cliente"!
Felicito-a pelo post.
Como disse o Francisco Vieira - "Grande Mulher".
:);)
Bjs

continuando assim... disse...

Cirrus ! tens toda a razão

os vossos comentários são muito importantes :) para mim

Mas afinal.... medo de quê???

não me digas que agora temos que esconder estas coisas ...depois da veronha que passso todos os dias a ver o tele jornal

uma vez há muitos anos, falando com um amigo de longa data, que por acaso reencontrei

perguntou-me o que é que eu fazia , para viver

respondi: sou delegada de informação médica
resposta dele : hummm , também eu já me prostitui num ou noutro emprego para sobreviver ...

continuando assim... disse...

Catsone .... há tantos colegas teus que não entram nestas andanças :) felizmente

mas tantas vezes o vil metal fala mais alto ...

bj

paulofski disse...

Sei bem as vossas dificuldades nesta área de trabalho. Não, não sou médico, mas sei. Muitas vezes tive de vos enganar, não o doutor não está, noutras dei-vos uma mãozinha. Percebo as vossas angustias, as horas perdidas à espera de um agora não pode ser, talvez amanhã. Numa enfermaria pode não haver amanhã. Um emprego pode não ser amanhã.