terça-feira

Levo para a rua o corte e a costura



Levo para a rua o corte e a costura , para remendar o remendo que tenho de remendar em mim.

Levo para a rua, para poder ver a gente que passará por ali, aquela gente que nem me possa entender e que nem se importe de mim ...

Numa velha máquina, que funciona com carretos de linha dura , certamente prenderá o que quer saltar para fora, e que eu vou empurrando para dentro ,como esponja, costuro ,por muito duro que seja , costuro....

Trago para a rua a máquina que me cose com linhas grossas, costuras de mestre que me remendam por dentro e por fora ...... e que aqui, nesta calçada imperfeita e irregular nas passagens , fará com que a linha se prenda, e se quebre na esperança de não mais me prender.

Mas depois do corte e costura, sento-me ao pé de toda a gente que passa. e não vejo ninguém passar por mim.

A cadeira vazia, ali mesmo em frente, aviza-me que estarei sozinha outra vez.
Mas vou ficando por ali, para que todos saibam o que faço, por isso trouxe a minha máquina para a rua!

Para me poder coser e remendar, com um ruído que se oiça, com a velocidade do pedal no qual carrego com toda a minha força .
Carrego com força, e ninguém me vê

Na esperança que não se rompa tudo o que vou costurando em mim.

Depois deste corte e costura, que assim só porque sim...trouxe para o meio da rua.

Sei que não te descoserei de mim, ninguém passou e ninguém se sentou à minha frente , para ouvir o ruido que eu fazia de ti .

Teresa Maria Queiroz/ Maio 2009
foto de Fernando Cardoso http://sebentadonando.blogspot.com/ (obrigada Fernando )

14 comentários:

Hugo de Oliveira disse...

Gostei demais do escrito.


abraços


Hugo

Teté disse...

Por corte e costura pensei que te referisses a outro tema.

A fotografia está fantástica!

Beijocas!

Mar Arável disse...

Tudo bem

no ciclo das marés

a tricotar nas escarpas

mfc disse...

Remendar... é recomeçar de novo!
É o novo antigo. É o voltar a sorrir.

simplesmenteeu disse...

Pena eu não ter passado nessa rua...
A minha distracção impede-me de ver o que os outros acham ver, mas faz-me reparar no que muitas vezes é invisível a outros olhares...
gostaria de ter ouvido o pedalar da máquina a costurar o tempo e as memórias

gostei muito (quando embalo nas palavras é porque elas falam dentro de mim).

beijo terno

Sonhadoremfulltime disse...

Olá Teresa!
Eu por vezes tento também remendar algum rasgo em mim. Só eu não sei usar a “velha” máquina de costura.
Assim, prefiro a agulha e o dedal. Sei que também necessito de me remendar, porque quando passo pela casa de banho, olho-me ao espelho procurando os estigmas do demónio.
Nada de cornos visíveis, nem pés de cabra, nem cauda que possa ser agarrada. Nada para além de um quarentão de cabelos já grisalhos e apesar dos anos poucos sulcos contáveis.
Cara de pirata, eventualmente de vagabundo, porque não?
Alguns vincos precoces de amarguras para enternecer as mulheres.
Passo um pouco de água pelo rosto, com as mãos molhadas, ajeito o cabelo para trás e dirijo-me para o quarto.
Por um segundo percorre-me a pena de não encontrar na cama uma mulher tranquila e adormecida.
Mas, esta noite fico-me apenas com a companhia das personagens de Júlio Diniz, o uivar do vento e o ressonar do meu anjo da guarda.

Parabéns pelo texto e principalmente pelo tema.

S* disse...

Cortar a costura dos outros para nao olhar para os nossos remendos...

LBJ disse...

qua sempre nos costuremos e nunca nos remendemos :)

Um Beijo

Graça Pereira disse...

Diferente...como sempre!! E lindo,lindo! Um beijo Graça

Milhita disse...

Um texto bonito, de linha e agulha, percorremos o que tantas vezes desentendemos querendo entender.

Um beijo

b disse...

Coser, bordar, faz de toda mulher uma Penélope , a da história da Odisséia.
Toda mulher já precisou pegar em linhas...ou vai precisar um dia...

Ahab disse...

Utilitário doméstico misturado com relacionamentos?

É... não sei.

Direto do Rio.
Beijos.

Miss Complicações disse...

Gostei... gostei muito.
Obrigada pela leitura que flui sem Complicações :)

Anónimo disse...

Eu não costuro, mas tricoto!!
Lindo texto.
bjs