terça-feira

ALICE SEM PRESENTES - Presentes, Natal e coisas capítulo8

Continuando assim, tudo continuava igual...
Por curtos períodos de tempo,André conseguia entregar-se de corpo e alma, pelo menos era assim que Alice o sentia, e sorvia esses laivos de felicidade, controlando a sofreguidão. Em tragos pequenos, deliciava-se, confiante que tudo durasse muito tempo, não queria prever que não agarraria o sopro de André. 
André ficava, jurando ficar para sempre. E como uma criança mal comportada, implorava o amor de Alice, tal como o faria a uma mãe qualquer.
Nessas alturas, esquivas no seu tempo, André adorava aquela casa, amava Alice apaixonada e verdadeiramente.
Numa estranha e repentina tranquilidade, entregava-se quase sem receios, e na sua inconstância, vivia sedento de estabilidade. André nunca saberia lidar com qualquer estado de felicidade, com medo de amar, vivia aos bocadinhos.
Alice já ía muito poucas vezes a Lisboa, só o tempo urgente para matar saudades do seu filho. 
Deixava-se ficar por ali, desejando um tempo que não chegava, sonhava com o tempo que vinha como se o tempo se entregasse a sonhos.
Receava que André sentisse que repartia o seu amor, adivinhava que André não suportava a partilha.
Alice adiava aquilo que era o mais importante da sua vida, embriagada pela sede de André, nem reparava que o fazia.
André nunca compreendia como só o Vasco conseguia com que Alice virasse tudo ao contrário, e ela sentia sempre quando isso o irritava. Talvez porque nunca tivesse sido pai, por querer ou não querer , por medo, por não saber...
André nunca pensou que um dia, também ele faria com que Alice se virasse de pernas para o ar toda a sua vida.
Já mais dum ano se tinha passado, neste começo de vida que quase não começava. 
Alice já nem reparava na senhora que a fulminava com o olhar, já não reparava em nada. Só queria guardar os momentos bons, aqueles breves momentos onde os dois podiam viver vidas inteiras dentro dum beijo mágico. Os momentos bastavam~lhe, de tão intensos , reduziam o tempo que os outros momentos não eram, para ela nada eram.
Chegava o Natal.
O Natal era sempre uma época na qual André não sabia viver, entre ataques de cólera, depressão e profunda frustração, nunca soube viver Natais felizes. 
Alice habituada a viver todos os Natais da sua vida entre risos , beijos, crianças e presentes, estranhava a incompreensível agonia na qual André se afundava querendo.
André vivia Natais tristes, desde que se lembrava. Alice, tentava entender tudo, mesmo o que não podia, só para não quebrar aquele fino cristal, no qual se transformava André, suplicando atenção só com o seu olhar vazio. 
Alice queria conseguir fazer tudo, para tornar aquela época o menos penosa para André, e estupidamente, quase se sentia culpada por ter uma família que a acarinhava. Uma família normal, que celebrava o Natal com a alegria com que o Natal deve ser vivido, Alice tinha aprendido assim e agora baralhava-se com tanta contradição. Não se compreendendo, obrigava-se a ficar triste no Natal, aceitando quase como suas todas as frustrações de André.
Agarrava-se a tudo para não afugentar o seu sonho de felicidade, tentando segurar um homem feito de vento, voava expelida por uma corrente de ar que não entendia de onde vinha. Não sabendo porquê, culpava-se sempre de qualquer coisa, uma coisa qualquer, mesmo invisível... não se entendendo esquecia-se de si, e tentava tratar toda a infelicidade de André, mesmo não sabendo de onde lhe vinha. Não sabias as causas, não sabia porque André se escondia até dele mesmo.
Alice já só queria quase nada. 
Só não queria estragar nada do muito que julgava já ter construído.
Continuando assim...Alice caminhava suavemente, nos seus sapatos de bailarina, balançando-se numa corda bamba, tal e qual uma artista de circo e nunca fazia barulho para não acordar o incerto.
Sem certezas, esperava tudo dum futuro qualquer.
André vagueava em torno dela, soprava-lhe amor ao ouvido ensurdecendo-a para qualquer outro ruído.
Alice continuava assim...

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PRESENTES, NATAL E COISAS
- Alice, vou a Vilamoura buscar mais coisas, já venho.

----era normal, ainda tinha lá "coisas" para trazer para casa; para a sua casa, aquela de lá já não era a dele, normal.. era tudo normal, as suas coisas, as coisas de que tanto gosta. Não te chateies com isso agora...! tem de lá ir, vai trazer para a nossa casa o resto das suas "coisas".----

Enfim , se pensar bem até sou capaz de ficar contente com isso, mesmo não sabendo o que lá vai encontrar.

---- vai encontrar o seu outro mundo, o mundo vedado, aquele onde eu nunca entrei...aquele que ele não sabia deixar; esse tal mundo que o fazia partir sem aviso, com pressa, num comboio sem nome que chegaria a uma estação que eu não queria, onde a Lia o esperava para o levar para casa. Mesmo sem eu imaginar que era assim.----

Esse mundo que não conheço, não percebo e que tanto me aterroriza.
Mas tem que ser, tem que lá ir e não há qualquer drama em tudo isso.
Arranjei ali no quarto, um sítio para ele pôr as "coisas" todas que faltam...seguramente que se irá sentir melhor, com as "coisas" todas à sua volta.

----complicas tudo Alice!! simplifica Alice, simplifica!!----

Enquanto foi, fiquei a medir com os olhos, a imaginar com as mãos, a mexer e remexer, a arranjar espaço para tudo. Arrumava tudo outra vez.
Nessa altura , mais uma vez, não pensei que só as "coisas" se conseguem arrumar, assim direitinhas, num cantinho qualquer. 
Só conseguimos fechar as gavetinhas das coisas, as outras...abrem e fecham como se fossem mexidas por fantasmas que nunca vemos. 
Nessa altura eu nem queria pensar nisso, e não adivinhava, o que mais tarde André faria às nossas "coisas".
A beky olhava-me desconfiada, não gostava que mudássemos tudo de sítio, olhava-me com os seus raros, azuis, de cão selvagem privado da sua liberdade. 
Até a Beky precisava de ser livre e não sabia. Com o seu focinho longo, cheirava tudo, não parava, rosnava tentado determinar o seu território. 
Para mim era quase um privilégio ter as "coisas" todas de André ao pé de mim, dentro da minha casa. Mas... não foram só essas coisas que vieram de Vilamoura.
André chegou sorridente e cheio de sacos.
- Olha o que me mandaram Alice.Prendas de Natal, que a Lia me comprou, para mim...e para a "nossa menina", queres ver?

----não! não queria ver. Irritava-me a intromissão de Lia , dentro da nossa casa. Presentes de Natal da Lia?....que a Lia comprou...?! para mim...para a "nossa menina"...----

Que mal que tudo me soava, não conseguia encontrar uma razão lógica para tantos presentes, não me fazia qualquer sentido. Mas... tudo bem...

---- qual é o mal de dar presentes de Natal? se os mandou foi porque se lembrou....seria o hábito? até pode ser simpático da sua parte, afinal foi sua mulher durante muito tempo----

Ainda hoje não sei precisar quando o deixou de ser , na cabeça de André.
Naquele dia e naquela hora, pareceu-me que ainda era. André nunca cortava os tais fios, que ia deixando soltos por aí , para se segurar quando estivesse quase a cair.
A sensação era tão fria que gelei imediatamente.
- Deixa-me ver.... que sorte André. Mostra-me. 
O meu sorriso hipócrita, impossível de disfarçar. Cara de quem não sabe esconder emoções.
Tiravam-me algo que tinha dado como meu, eu nem sabia identificar o quê, mas foi isso o que senti.
Porque não é normal que se fique feliz, quando a sua ex-mulher manda presentes de Natal... para ele ...para a Beky....para dentro da minha casa. 
E não é normal que sejam exibidas como troféus... e porque é que na sua cara se espelhava um esgar cínico e irónico. 

---- é tudo normal Alice! sorri...----

-Olha, os meus presentes estão neste saco, e aquele é o da Beky.
Uma tigela cor de rosa, com um laço, para a ração, um osso grande para mastigar, daqueles demasiado caros para eu comprar... e muitos biscoitos de cão, também duma marca cara, daqueles que a Beky nunca comia. Daqueles que eu nunca lhe comprei.
Afinal era Natal !
Esquecia-me que estava na épocazinha que deprimia André. Até os cães têm sorte no Natal!
- Tantas coisa!! que sorte!
- Sabes como a Lia é, gosta de comprar. Sempre foi assim, adora gastar dinheiro. E ela gosta tanto da "nossa menina".
Dizia sorrindo, com um premir de lábios triunfante, irónico e satisfeito.

---- que ridículo... não , não sabia como a Lia é.Mas como gosta ela assim tanto da Beky? ! só a viu uma vez...e pelo que sei nunca quis animais em casa... nem crianças... talvez porque dessem muito trabalho----

Recordei-me que André me contou um dia, que o cão que a mãe tinha, o Pantufa, ficava na rua sempre que a mãe dele os visitava. Assim num terraço pequeno, não podia entrar em casa porque a Lia não gostava.

---- que estranha forma de gostar de animais...----

E que estranha forma de amar. Relevei.
Arrumei o pensamento, as dúvidas as questões que não colocava. Arrumei tudo dentro duma "gavetinha" que já abarrotava.
Um dia, talvez conseguisse todas a respostas que agora não tinha. 
Um dia podia ser que encontrasse motivo para que tudo me soasse tão imperfeito, em certas alturas. E demasiado perfeito , quando sentia que nada mais existia á minha volta.
- Anda cá Beky, olha uma tigela nova que o doninho têm para ti!
Chamava-a com um carinho quase paternal...quase amor. Uma relação que eu também não conseguia descodificar. 

---- a tigela , enfim...é gira, eu nunca a compraria. Parece um gelado. Tem cor de gelado...não parece coisa de cão. Não condiz nada com a Beky, que é uma cadela selvagem.----

O saco que tinha os outros presentes, continuava imóvel em cima da bancada da cozinha, quieto, sinistro...e sem ninguém lhe tocar.
André se rebolava-se  no chão a brincar com a Beky, fazia as suas delícias. Acho que a Beky até pensava que ele era um cão...ou um lobo.... ouvia-o uivar em conjunto com a cadela.
- Posso ver os teus presentes André?
- Sim. claro! Eu mostro-te. Olha, uma camisola azul-turqueza, um cinto a condizer...e, um monte de cuecas! e meias! as minhas estavam muito velhas.... E repara, são só brancas e pretas, tal como eu gosto.
Fiquei pálida, engasguei-me, não encontrava o que dizer...assim de repente.. e , em lugar de:

---- mas porque raio é que a Lia te oferece cuecas?! Não entendo! acho até de muito mau gosto, e duma falta de senso atroz. Acho esta história dos presentes sem sentido nenhum! Cuecas!? ...mas que falta de tacto, que falta de tudo! Porque as tuas cuecas estão velhas!?  Não achei graça nenhuma a nada disto, e tinha preferido que não me mostrasses nada  André! Poupavas-me a esta cena absurda. (lembras-te do arco que te ofereci, há muito tempo atrás? deixaste-o lá em cima, em minha casa, não o trazias para casa, e eu não queria entender porquê... há Lia poupaste-lhe uma cena...a ela ou a ti próprio?! Desculpa lá se achas que estou a ser caprichosa ou exagerada... mas, uma dúzia de cuecas?! Achas normal? Já para não falar na camisola , que notoriamente foi escolhida a dedo, não gostei! Acho uma falta de respeito para comigo. Então e o fio de ligação? não se corta? Alimenta-se...com cuecas!? Até podem ser muito amigos, tu e a Lia, mas mandar dois sacos cheios de presentes para dentro de minha casa, para ti e para a beky... se calhar teria sido simpático mandar uma caixa de bombons para mim... não?! que ridículo, parece-me uma provocação! E a quantidade de dinheiro gasto em presentes para a Beký...ela é um cão...bastava-lhe um osso...ela ficava igualmente contente. Desculpa-me mas tudo isto é quase obsceno! E nós André... não temos dinheiro! Tu não trabalhas há séculos! Lembras-te?----

Mas, em lugar de tudo isso, engoli. Contive-me e reprimi, só porque o iria magoar, e esquecia-me que toda aquela cena só me tinha magoado a mim.
_ ainda bem André, fazem-te um jeitão! estavas mesmo a precisar de cuecas... e meias, e a camisola é linda, igual aos teus olhos... ficam mais azuis.
Inverdades que roem o osso do amor até ao fim.

---- Agora Alice, vai buscar o unto... está quase a acabar, mas ainda te alivia a alma...só mais esta vez, vai lá. Sorri. ----

E no semblante de André, notei um porte triunfante que não me passou despercebido...
O jogo tinha começado agora.

( continua...)


23 comentários:

Inês Dunas disse...

Cada vez mais interessante o drama da Alice, sinto q com o unguento da alma q se esgotava, tb ela desaparecia e escorria por si mesma a baixo, sem deixar sequer rato no chão... Por qto tempo mais lhe seria possível continuar... assim...

Beijinho!

continuando assim... disse...

Obrigada Inês :) ainda vai aguentar , vai ter razões para isso :)

bj e obrigada por seguires

Paulo Roberto Wovst Leite disse...

Sigo lendo a história com prazer, o contraste do fundo preto e letra branca ficou ótimo para texto longo.
Enfim tá tudo de bom!!!
abraços do Paulo.

Anónimo disse...

OHHH!! mas a Alice não explode, que raio, pareceuma amiga minha, só falta lamber o chão como a Becki. Desculpa Teresa, pareço as sras em frente à telenovela, mas isso é bom sinal, é sinla que estou a viver a história. Beijo.

ps: o o meu post ficou giro não foi? incita à curiosidade =)

continuando assim... disse...

obrigada Paulo pelas tuas visitas.

Lou: era quase assim... :) já ouviste falar em codependência , geralmente desenvoolve-se quando nos relacionamos com bipolares.... mas isso fica mais para o final .... se é que tem final :)

Pelos caminhos da vida. disse...

Vim agradecer sua simpatica visita, obrigada.

beijooo.

Unknown disse...

Olá

Vim agradecer sua visita e já estou te seguindo. Parabéns por seu blog.

Beijo

José disse...

Vim agradecer a sua visita, e mais o comentário, e vou seguir a Alice, pois Vilamoura fica em frente à minha porta.

um beijo,
José.

S* disse...

Gosto muito mais do blogue assim...

E essa Alice, está um verdadeiro suspense.

Pena disse...

Maravilhosa Amiga:
Deu asas ao sonho. Livre. Plena.
Perfeita.
Parabéns sinceros.
Uma história que fascina. Encanta pela beleza imensa.
Beijinhos amigos.
Excelente. Continue SEMPRE, apesar da brutalidade de André.
Escreve de forma cativante.
Com respeito e estima.

pena

OBRIGADO pela sua simpatia.
É uma honra lê-la.
Se for real é maquiavélico. Áspero. Violento.
Pode ferir a susceptibilidade dos seus amigos.
Se puder um fim feliz. De acordo?
Nada se faz ao acaso na vida.

FlorAlpina disse...

Passei por cá ontem para agradecer a visita no meu cantinho, mas...fiquei a ler a sua história e gostei.
hoje vim ler mais um pouco,
Espero por mais episódios...
Pelo que percebi isto seria ou é um livro, certo? Se assim for vou tentar encontra-lo.
Até lá...Bjs dos Alpes...

momo disse...

Sigo con interés tu historia de Alice..como me preguntas que opine sobre tu blog , la confianza me dá para decirte que si el color de las letras de tus links fuesen en blanco se verian mejor ...lo demás está perfecto como está.
besinos

Spark disse...

Alem da banda sonóra, o texto é mto bom. Parabéns, gostei imenso. :)

Bjs

Mar Arável disse...

Vou acompanhar

este ciclo de marés

Non je ne regrette rien: Ediney Santana disse...

adorei teu conto - poético

chica disse...

Essa Alice é bem paciente,heim??/Lindo e vamos acompanhando!beijos,chica

Everson Russo disse...

Belissima historia vamos seguindo o desenorlar dela...beijos de boa tarde.

Tite disse...

Ficção ou realidade????
Tudo pode acontecer mas, não imaginam como estou incomodada. Amor sim, estupidez é doentio.
Mas... afinal quem sou eu para dar opinião? Vou voltar para ver até onde chega... o unguento da alma.

Unknown disse...

Passei para deixar um beijinho de luz e paz na Alice e sua dona.

poetaeusou . . . disse...

*
e vou continuando assim,
acompanhando a saga da Alice !
,
conchinhas, deixo,
,
*

ney disse...

continuando assim...
Obrigado pela presença amiga ao meu blog, pelo comentário, estou aqui retribuindo a visita, conhecendo a Alice e sua história de vida. Estarei acompanhando. Abraço/ney.

Vitor disse...

...E continua...continuando assim...e muito bem!

Bj*

continuando assim... disse...

Vitor, ainda bem que continuas por aqui... beijo

Ney, bem vindo, e espero que te encante a hist[oria de alice..;

Poeta, obrigado por ficares, e pelas conchinhas

Leonor, obrigada pela Paz...

Tite, nada [e est[upido quando
n]ao se sabe ver .... beijo bem vinda

Everson , obrigada por seguires
Ediney, obrigada por todas essas visitas l[a do outro lado do mar. um beijo


o macaquinhos no sot]ao, j[a est[a ali ao lado ...beijo e obrigada

mar ar[avel, obrigada por acompanhares, beijo,.

Spark , fico muito contente por gostares desta hist[oria...a banda sonora tinha que ser esta , por todas as raz]oes do mundo, um beijo.

momo , um beijo para a[i, obrigada por seguires

Flor alpina, um beijo alpino e obrigada

Pena, obrigado por sefguires. A brutalidade de Andr[e, tinha uma raz]ao ser, mas isso fica para depois . beijo

S, a Alice vivia suspensa no seu suspance. beijooo

Jos[e, um beijo para Vilamoura que foi deixando saudades....

Pelos caminhos da vida, obrigada por ires aparecendo. beijo.