quinta-feira

ALICE OUVIU PALAVRAS COMO GOTEIRAS capítulo 14

Aterraram no aeroporto de Lisboa, vindos directamente de Londres onde os caminhos eram suaves e as palavras pareciam tão verdadeiras.
Estavam mais unidos que alguma vez sentiram estar, longe de tudo o que se passou, só queria apagar o passado e nem se lembravam que o passado, fica sempre escrito com tinta que não se dilui.
Alice renovou forças vindas dum sítio qualquer, talvez de fadas protectoras que não a deixavam cair, nem pensava de onde lhe vinha outra vez esse enorme desejado de iniciar um inicio como deveria ser.
Se voltasse a correr podia partir a felicidade, era sempre tão frágil e tão fina. Alice não queria correr.
Numa nova casa, escolhida por André, talvez agora pudessem ter tudo o que desejavam. Talves André conseguisse encontrar o conforto que desejava,e que se tinha perdido dentro de si há tanto tempo.
E continuando assim, Alice deixou que André comandasse novamente todos os cordelinhos que a prendiam, que apesar de adormecidos ainda se enlaçavam nela .
Alice ia seguindo pelo caminho indicado quase sem nada dizer.
Rapidamente encontrou emprego em Lisboa, e sem saber começava novamente a correr para segurar o que não sabia, para não deixar estilhaçar a felicidade que começava a espreitar.
André continuava igual a si próprio e sem nada que fazer, já se tinha habituado a continuar assim...
Alice não reparou que André, depois de toda a euforia vivida longe dela , naquele último Verão, estava agora a ponto de se afundar num buraco escuro e imenso em depressão.
Era assim o ciclo do humores de André, era sempre assim. Da euforia à profunda depressão, era sucessivo e não pararia nunca.
Alice tentou perceber tudo, leu tudo o que havia para ler sobre estranhas oscilações de humor; picos de euforia; atitudes irresponsáveis; depressão; angustia repetida, e tudo se encaixava na perfeição, no estranho e imperfeito comportamento de André. Um comportamento que tinha sido indecifrável para Alice durante anos.
Agora tudo estava mais claro. Determinada a ajudar André a perceber o que com ele se passava, esquecia-se sempre que também ela poderia precisar de ajuda para se entender. 
Carecia de alguém que se dispusesse a perceber o estranho mundo para onde tinha entrado e a ajudasse a caminhar por ali, e a encontrar uma saída que não se avistava.
Isso nunca aconteceu porque Alice nada pediu.
Tinha passado um mês naquela casa escolhida por André, feita com quase tudo o que ele queria.
E um dia, um dia qualquer...
André, sem Alice esperar , comunicou-lhe assim como quem informa uma decisão tomada numa fastidiosa reunião de trabalho, que agora .... se calhar... gostava de experimentar viver sozinho.
Depois de tudo... Tudo continuava assim...
Alice , sempre confundida, já não sabia mais o que fazer, nem se saberia fazer alguma coisa, nem se deveria continuar assim. E quase sem falar, saiu não sabendo se alguma vez iria voltar: Alice foi, sem quase nada dizer.
Continuava marioneta sem fios, desfeita no que julgava ser nobre sentir, presa a um sentimento sem nome, ao qual já não ousava chamar amor e desejava uma liberdade que pensou nunca mais conseguir conquistar.
Presa na sua enorme teia, que ajudou a construir à sua volta, sentia-se um insecto preso em malhas. Sentia o som dos vidros quebrados da sua enorme bola de cristal, na qual viveu tanto tempo, inquebrável.
 Partiu-se.
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PALAVRAS COMO GOTEIRAS
Já em Lisboa tentando recomeçar.
As suas palavras soaram-me como goteiras, caíam como gotas...devagarinho , gotas pequeninas.
Um estrondoso ruído...
"Se calhar...agora... quero viver sozinho...."


---- Se calhar?!!----


Depois de tudo ... depois de tudo o que me disse ... Se calhar!
Decidi que mais , não!
Mais do mesmo, sempre mais do mesmo...
E depois de tudo arranjado, depois da casa nova nesta cidade que é a minha.
No lugar escolhido por ele.
Assim vindo do fundo de nada, uma noite qualquer, palavras pequeninas , como gotas caídas duma goteira enferrujada.
Gotas ácidas e geladas no meu ouvir.


"Se calhar agora...quero viver sozinho....nunca vivi sozinho, se calhar ia ser bom para mim..."


Nem percebi se naquele olhar aguado, se espelhava a inconsistência das suas palavras gotejadas.
Dizia-mo numa espécie de torpor insano.


---- não está seguro do que diz...mas diz! Não importa o que tu pensas, o que sentes...ele diz porque quer dizer. Só por isso, nem pensa em mais nada, sem pensar que consegue degolar sonhos a sangue frio...----


Dizia com palavras compassadas, sem som... ouvia-as estrondosas.


---- mas porque me diz isto agora? ... Percebo que queira estar só.... não percebo? ----


Ouvia-o sem palavras para lhe dizer
.
"André, tens a certeza que é isso que queres?"


perguntava-lhe com olhos de terror e desespero, ele de olhos baços e distantes...
"Sim tenho. Se quiseres amanhã procuro um sítio para ir."
Sem convicção, apagado no som das suas palavras automáticas. Penso que adivinhava a minha resposta.


"Não André! Eu vou... e vou já! "


De repente arrumei tudo, arrumei coisas à toa, em sacos tristes aos quadradinhos
Sacos que nunca mais quero ver na minha vida.
André olhava-me quase sem respirar... comprometido; atónito; triste; preocupado; satisfeito; assustado; triunfante; arrependido; magoado; surpreso....olhava-me assim.... 
E nesta mistura de olhares, nesta imensa confusão, eu , sem palavras... ouvia as dele, caíam-me em cima e faziam furinhos em todo o meu corpo, como gotas ácidas que caiem sem querer.
Como uma marioneta de fios embrulhados, fiz o que pensei ser melhor.
Mais uma vez, e em tempo de instantes, meti tudo dentro do "senhor do nem", cabia lá tudo!


"Queres que te ajude a por as coisas dentro do carro Alice?"


Sem sarcasmo, sem iroonia, sem cinismo...completamente oco, perguntava-me se queria ajuda.


"Não André! vou para casa dos meus pais, depois venho buscar o resto."


Já me habituara a não saber o que acontece no momento, no instante, no dia ou na hora seguintes.
Olhando-o no fundo dos olhos , disse-lhe:


"Adeus..."


Mas...ninguém avisa um último adeus ...
Sem beijos , sem despedidas, segui depressa...saí dali jurando nunca mais voltar.
Passaram dias, passaram noites.
Eu sabia o quanto precisava de mim... e o que eu precisava dele.
Voltei semanas depois.
Porque mo pediu. Porque me precisava .
Depois de horas de desabafos , confissões, segredos que nem se partilham, voltei...pediu-me para voltar.
Acreditamos que seria amor.
Mais uma vez acreditando no que não sabia se existia, voltei.
Voltei feliz.
Não tinha começado o Natal, o Natal que seria passado ali.
Naquela casa em Lisboa, no bairro que ele escolheu...
Voltei para passar um Inverno gelado, tão gelado que o teria que aquecer encontrando calor em cada canto...
Pensei voltar para ficar.


(continua...)


3 comentários:

Inês Dunas disse...

:)
Para q saibas q eu tb continuo assim... a seguir atentamente a nossa Alice!!
Beijinho em ti!

Tite disse...

Pela dedicatória da música esse tal André não é ficção.

Coitado!!!!! Dele e da Alice afinal...

continuando assim... disse...

beijo Inês:=)


Tite: uma realidade que se misturava com ficção :) bj