sexta-feira

ALICE NÂO SE DESPEDIU capítulo 10


Já moravam em Lagos há uns meses e cada dia que passava, Alice sentia o vazio daquela imensa casa. André continuava igual a si mesmo e Alice nem pensava que nunca se consegue mudar ninguém, o mais que poderia fazer era tentar viver dentro de sensações inesperadas e tantas vezes incoerentes. Esforçando-se iria conseguir entender, porque um mágico não se descobre facilmente, e só com atenção e zelo se adivinham os truques dum prestidigitador.

André adorava aquele apartamento virado para o fim do rio, a naquela casa vivia com medo desse gostar e por isso resolveu nunca se entregar.

André atemorizava-se cada vez que começava a gostar demasiado de qualquer coisa, tinha sido sempre assim. E nessas alturas, quando perigosamente começava a aprender a gostar, fugia de tudo nunca conseguindo fugir de si mesmo. Não se entendendo, acusava tudo e todos de incompreensão. Gritava mudo, chamava calado por uma liberdade desconhecida, e Alice não sabia de que maneira a lhe poderia oferecer algum dia.

Alice tinha perdido aquele sorriso espontâneo, o mesmo que atraiu André e que tinha o dom de contagiar todos à sua volta. Alice já não sabia sorrir aquele sorriso deixado a norte de si, e sem dar por nada finava-se em desespero, suplicando amor silenciosamente, estranhando-se dentro de si.

Todas estas sensações eram novas para ela e com elas nunca saberia lidar. Alice habituava-se a viver aterrorizada pela certeza da sua derrota em constantes batalhas que, obstinadamente, continuava a travar.

Se era isto o amor, Alice pensava que nunca mais iria querer amar assim, e nesta constante contradição, vivia sabendo que nunca mais conseguiria voltar a viver sem André. E nunca mais é muito tempo.

André entrava e saía, comandado pelos seus estranhos e quase irreais pensamentos. Vivia numa solidão tão triste, sempre ancorada em Alice, zarpava e ia seguro de poder voltar. Alice segurava um cordão tão denso e pesada que lhe cansava os braços, lhe feria as mãos e lhe atormentava a alma distorcida.

 Voltava e era sempre recebido com lágrimas boas e felizes, lágrimas que se misturavam em duas faces, fazendo pactos de amor eterno. Alice renovava os abraços plenos, cheios de renovada esperança. Eram assim as sua chegas, as chegadas de André enchiam o mundo de Alice duma cor desconhecida.

Alice sentia-o, tantas vezes distante, que nem mesmo ela o conseguia ver, mesmo fechando e abrindo os olhos com muita força, tal como o fazia antigamente, divertida, até conseguir ver o irreal. Agora nada via e esse piscar de olhos já não a divertia.

Teria que ser assim…pensava todos os dias.

E aquelas terras algarvias, terras de Sol e Luas cheias, foram ficando encharcadas de lágrimas salgadas, confundidas nos caminhos do mar, que Alice ia espalhando por lá sem querer. Por lá ficariam para sempre misturando-se no mar. Tornavam o mar mais salgado, tornavam o seu chão cada vez mais molhado.

Alice continuava assim… procurando o melhor de tudo, tomando toda aquela responsabilidade, que no dia da sua decisão impôs a si mesma.

André, desocupado em afazeres deambulava por sítio nenhum, vagueando em torno dela.

Alice depois de arrumar tudo o que conseguia, desesperava por não conseguir “arrumar” André, não conseguia arrumar nada dentro dele, não ordenava aquela desordem que sentia e que quase podia agarrar.

SEM DESPEDIDA

A mala feita.

Quinze dias de formação em Lisboa.

Quarto de hotel. Cheiro de quarto de hotel… aquele cheiro outra vez, um odor que não é mais do que cheiro a solidão, esse que eu senti tantas vezes…

Formação; Gente; Presumir; Sorrir sem querer; Falar sem ter nada para dizer; Pessoas que não eram “nós”.

Lá ia eu outra vez. Quinze dias, quinze noites longe dali.

Um tempo imenso!

Aquele tempo que se pudéssemos, derramávamos das ampulhetas, esse tempo que não devia existir, o tempo que temos de presumir ser, presumir ter, presumir atentar…

A minha mala de viagem, vermelha, feita à toa, com tudo lá dentro, tudo desalinhado

( era assim que eu arrumava as malas…sem alinho)

Não faz mal. Quando lá chegar logo se vê, é só tirara da mala e pendurar num daqueles armários com cheiro de hotel.

André saiu com a Beky pela trela, sem me dizer nada…

Eu fiquei por ali…

Esperei. Mala feita, estava quase a começar o tempo que eu não queria, o tempo que eu não conseguia apagar.

Longe dali, longe de André quinze dias.

--- vai valer a pena , é só mais um sacrificiozinho, tu aguentas Alice, tu aguentas esse tempo, o que vai custar mais sãos as noites… mas tudo passa num instante, não tentes enganar o tempo! O tempo tem que correr. ----

Continuava ansiosamente à espera que voltassem para casa.

O tempo a passar, a dar lugar ao outro tempo que eu não queria. Esperava.

---devem estar aqui perto---

Sobressaltava-me. Assustava-me.

O susto já me era habitual, nem liguei…

Já nem precisava do unto para a alma, de tanto o usar tinha acabado.

Já estava convencida que era mesmo assim, nada podia estar errado.

Era eu que me sobressaltava por tudo e por nada…que exagero Alice!

---convencia-me que o susto permanente fazia parte da vida e do sentir, convencia-me disso só para me tornar uma pessoa “normal” dentro de mim, só assim conseguia viver comigo mesma---- será que os outros notam o meu sobressalto?! Não! Eu sei disfarçar tão bem …!

A mala encostada à porta, o seu vermelho gritava aquilo que eu calava. Gritava em silêncio só com a sua viva cor.

Sentada na sala eu fumava, como se o fumo me apagasse as dúvidas , as incertezas e os continuados sustos.

Passei a fumar assim… substituindo o meu unto para a alma…

E os cigarros apagados , não apagam o fumo neles pensado.

Da minha “gavetinha”, daquela que eu não mandei abrir, saíam questões, todas ao mesmo tempo, atropelavam-se umas às outras, irritavam-me! Atormentava-me! Eu não as mandei sair!

Aquela “gavetinha”, com vida própria, abria fechava, emperrava…sem eu mandar, sem eu pedir…foi sempre assim desde o início de tudo. Sorri ao lembrar o dia em que lhe falei, pela primeira e única vez, desta peculiar “gavetinha”.

… lembrei a sua voz: Não consegues dominar essa “gavetinha”, nem nunca irás conseguir.

Na altura não percebi nada daquela resposta.

Tinha que ir para Lisboa. Estava na hora.

Não chegavam, nem André…nem Beky…por onde andariam?

Preocupava-me, e olhava o telefone na minha mão, olhava fixamente à espera que ganhasse vida, que tocasse, que vibrasse…qualquer coisa.

Nada.

Esperei, esperar também já não me era estranho, há muito que o tinha deixado de ser.

A espera, o sobressalto e a incerteza, já eram quase amigos do peito.

Liguei.

“Onde estás André? Aconteceu alguma coisa?”

(aquela pergunta tão irritante, que eu sabia que o irritava tanto)

“Não Alice, não aconteceu nada. Porquê? Vim trazer a Beky ao canil…”

“Mas não era só para ir amanhã…para o canil…?”

“Era, mas assim fica já tratado. Fica já hoje aqui.”

“Está bem… e … demoras muito?”

“Um bocado. Porquê Alice?”

“Porque eu tenho que ir para cima… Tu sabias André. Vou para Lisboa hoje…e estava à tua espera para me despedir de ti. Já tenho tudo arrumado” – dizia isto tudo, quase a medo, adivinhando o que lá vinha, tremia e segurava a voz.

“Não esperes Alice. Não esperes por mim, estou no canil a falar com a Linda. Estou a tratar da vida… não esperes por mim Alice.”

“Mas André , a tratar da vida? Não percebo nada… com a senhora do canil?...”

“Faz-me um favor Alice. Vai-te embora, e não esperes por mim! Podes fazer-me esse favor?”

Sem entender…entendendo, respondo:

“Está bem André. Então adeus…”

“Adeus Alice. Minha querida…faz boa viagem, e olha…não fiques chateada comigo. Estou a tratar da vida.”

Desligo. Invade um estranho sentimento de culpa com o sabor azedo de quem se tinha intrometido onde não devia. Mas culpa de quê? Intrometi-me em quê?!

Já não esperando, sentada no chão frio, não contive a aguadilha que vinha por aí, as lágrimas corriam-me sem me pedir licença. Queimavam-me a cara.

--- porque não veio? Porque tinha que ficar a falar com a mulher horrorosa lá do canil? Tratar da vida…mas qual vida? Logo hoje, porque é que foge? Porque fugiu da despedida? Porquê aquele tom na sua voz?...e porque é que eu estou cheia de medo?...----

Num papel branco escrevi  um bilhete de despedida.

Eu não partiria sem me despedir, já nem sabia se voltaria…

Depois de escrevera correr, letras misturadas com sal, mão geladas; suadas; trémulas; mãos de quem  se quer controlar e se descontrola, mão de quem se quer convencer de que tudo era anormal, até o mais absurdo; mãos que não queriam ver nada; mãos que desenhavam uma letra que revelava todo o meu sentir; mão que com palavras doces, riscavam com raiva um grito abafado

---As minhas mãos não gostam das reticências da minha vida, não gostam que as segurem e que depois as deixem sozinhas. As minhas mãos partem-se quando se entrelaçam entre si---



Despedi-me assim, sem beijos nem abraços

Despedi-me sem despedida.

Já no carro, essas mesmas mãos seguravam o volante com força…transpiradas e frias.

Os olhos ardiam-me, a cara fervia, o sal queimava-me.

Assim viajei até Lisboa.

Quinze dias de formação.

Viajei sem saber, mas quase adivinhando que tinha chegado o princípio do fim.

Um final, que de tão comprido, iria ser insuportável.

Tanta coisa por entender, tanta coisa que não queria perceber…

E a pergunta, sempre a mesma pergunta, que se soltava sem eu querer de dentro da “gavetinha” diabólica:

- onde é que eu errei? Fui eu que errei?

Corri para cima, trezentos quilómetros, sem parar , sem ouvir , sem falar…sem nada

Não sabia se teria sido a minha despedida... não sabia como tratar da vida.

Hoje, já não sei o que sou.
(continua...) 




15 comentários:

Renato Baptista disse...

Amiga...

Obrigado pelo convite para o seu blog. Seu conto é muito interessante e tem uma cadência que cativa o leitor do começo ao fim.Parabéns.
Fica um convite para que conheça a nossa rede social de literatura: www.casadapoesia.ning.com e se tiver interesse, cadastre-se por lá... será uma honra recebê-la.
Obrigado pela visita lá na Academia da Poesia. Conheça também o meu Blog de Poeminis (formato que lancei e já conta com muitos poetas adeptos)...httpa;//poeminiseimagens.blogspot.com.

Um abraço* e parabéns pelo trabalho.

Renato baptista

Anónimo disse...

cativante a história, desgastante o sofrimento de Alice, beijo.

continuando assim... disse...

Obrigada Renato, pelas palavras e pela visita >( beijo desde aqui

Lou...desgasta sim >( beijo

Sandra disse...

VIM RETRIBUIR A SUA VISITA.
COMO É BOM TER A SUA COMPANHIA EM MEUS BLOGS.
ESTOU MUITO FELIZ.
FIQUEI MUITO FELIZ COM A SUA VISITA, NA INTERAÇÃO DE AMIGOS, CONFERINDO O TEXTO DA COLETIVA DE MINHA ALDEIA.. E ACABEI FAZENDO UM COMENTARIO EM CIMA DE TODOS OS DEMAIS COMENTÁRIO, QUE LÁ ESTÃO REGISTRADOS.
PASSE LÁ CONFIRA.
DEPOIS PEGUE O SELINHO EM COMEMORAÇÃO.
CARINHOSAMENTE
SANDRA
http://sandrarandrade7.blogspot.com/2010/03/emocao-de-participar-das-coletivas.html
VOU TE ESPERAR.

Sandra disse...

Vamos esperar as novas cenas..os novos capitulos..
Erramos para a certar.
Carinhosamente
Sandra

Anónimo disse...

Bom dia!!!!!!!!
Desculpem minha ausencia.
Agradeço o carinho de sua visita.
Ótima Sexta-Feira.Beijossssss

M@ria

Rita P Faleiro disse...

Olá,

Descobri o teu blog há pouco tempo, mas desde aí tem sido viciante cir cá ver se há novidades em torno da Alice, do André, da Beky...

Muitos parabéns!

Beijinhos

Rita

Moonlight disse...

Olá!

Sofrida esta história!
Mas por vezes és-nos dificil entender o sofrimento existente nos outros...quandos olhamos apenas para o nosso.No entanto até chegar ao fim não será certamente inteligente levantar afirmações sobre tal,naõ é mesmo?
Vou continuando assim....á espera de mais.

Bj com luar

A Magia da Noite disse...

as ausências consomem-nos

continuando assim... disse...

Moonlihth:
é isso mesmo , é difícil entender o sofrimento dos outros, e a tendência que existe é para disfarçar sofrimentos. Pois são geralmente considerados sinais de fraqueza, erradamente ...pois fragilidade nada tem a ver com fraqueza.
A história é sofrida, mas acredito que tantas e tantas histórias semelhantes, não andam por aí na vida de cada um .
È uma história de vários finais.

um beijo e obrigada por seguires e comentares
teresa

continuando assim... disse...

Obrigada Sandra pelo comentário, lá passarei :)

muitas vezes basta um sorriso num comentário para nos empurrar... para continuar ...:)

beijo

b disse...

Quero o restante.
Quero tudo.
Moça, demais!

continuando assim... disse...

Magia da Noite, as ausências são insuportáveis, mas vamos ver até quando Alice resiste :) bj
obrigada por comentares.

Rita: bem vinda espero que continues a gostar.

Maria: bem vinda!!

B: calma.... mais logo outro capítulo :)

Tite disse...

Voltei...

Estou a ficar viciada nesta história e nem sei explicar o porquê mas... continuando assim...

tenho que saber como acaba.

Bom FdS Alice! :))

Paulo disse...

Fui catapultado para este seu "espaço" graças à sua visita.
Confesso que gostei de passar por aqui.
Espero voltar.
Beijo

Paulo