quarta-feira

ALICE NÃO GRITAVA - Canil e gritos capítulo 9


André perdurava em conseguir trabalho, pouco ou quase nada se esforçava para isso, e Alice observando tudo, de olhos muito abertos , só queria cegar  para não ver todo o empenho que André não tinha.
Encontrava, dentro dela, todas as desculpas que se lembrava, para conceber a letargia e inactividade de André sempre que se falava em trabalho. 
Quase percebendo e nada querendo perceber, Alice obrigava-se a compreender o incompreensível
E um dia, para afugentar fantasmas já estabelecidos, pensarem os dois que viver em Faro não estava a ser o que tinham esperado, pensaram em mudar-se dali, e Alice por algum motivo que não entendia procurava segurança em qualquer mudança..
decidiram tentar tudo de novo, desta vez para o outro lado do Algarve. 
Lá poderia ser sempre melhor, lá, poderia ser diferente, e Alice amarrava a si essa leve esperança com toda a sua força.
Tinham passado um ano naquela casa branca, agora mudavam à procura do que não se encontra.
Era assim que Alice andava pela vida, sonhava acordada e não adormecia dentro de qualquer realidade. Nada acontecia como Alice , um dia, ousou imaginar. sem medo de mudanças, acreditava numa força que lhe chegava quando ela menos esperava, e enchia-se de vontade de recomeçar o que já não conseguiria iniciar.
Numa tarde de Sol, em passeio para os outros lados daquele Algarve calorento, descobriram uma pequena casa mesmo na Praia da Luz. Na outra ponta de lá, onde poderiam viver outra vez e recomeçar tudo aquilo que nunca iriam saber fazer. Aquilo ao qual Alice gostava de chamar amor.
E nas voltas daquele carrossel, num estado complexo, Alice encontrava as tais forças que lhe faltavam para ir fazendo face a tudo, e para tolerar tudo, em nome de qualquer coisa boa, e ainda por descobrir.
Rapidamente se mudaram , de Faro para a pequena casa perto da praia.
A Beky era feliz ali, parecia que era a única que não vivia presa em fantasmas guardados, e por isso corria pela relva, ladrava sem que ninguém a mandasse calar, roía os troncos secos que por ali estavam , e a Beky, encontrou uma liberdade que não tinha tido ainda.
Viveram dias mornos de emoções, André refugiava-se em si mesmo, passando horas e dias deitado na sua própria angústia. 
Alice rodopiava mais uma vez, sem saber o que fazer quando André entrava em estados tão depressivos. Sossegava, quase nada dizia, arrastava Alice naquela tristeza..
Teriam que começar tudo de novo, e rapidamente Alice começou a trabalhar em Lagos.
Tudo acontecia rapidamente, tudo corria veloz, porque Alice continuava a correr rumo ao resto duma vida que não conhecia, brincando com ampilhetas que insistia em virar antes do tempo acabar. 
Tudo tinha que estar no sítio, arrumado muito depressa, porque o tempo brincava às escondidas com Alice, num constante jogo de cabra cega.
A estadia por ali, pela Praia da Luz, foi breve e calada. 
Demasiado silenciosa, cheia de gritos que a ensurdeciam , só por não os conseguir ouvir.
Viveram ao pé da praia os meses de Inverno. 
O Inverno foi frio e chuvoso, e naquele silêncio ganhava uma enorme e triste dimensão. Só a Beky vivia livre e feliz, mesmo com a lama da chuva, desaparecia de casa, e voltava sem ninguém saber para onde ia e quando vinha.  
Num dia , daquele Inverno gelado, quase por acaso, em conversa com os habitantes da Praia da Luz, Alice descobriu que alguém tinha um apartamento para arrendar em Lagos. Um apartamento quase inacreditável de tão bonito, tão grande e com uma renda tão barata.
Quando viu o apartamento, André nem conseguia imaginar que poderia morar ali. Mas Alice, conseguia pensar em tudo com um imediatismo assustador, e tudo faria para tornar tudo real.
André confiava em Alice, Alice segurava a mão de André , jurando que não a largaria mais. E como um menino obediente, seguia Alice.
Alcançaria sempre tudo o que pudesse fazer André um bocadinho mais feliz, Alice não suportava ver André definhando de inacção. 
Transformava, para ele, sonhos em coisas palpáveis, não conseguindo nunca prender o maior dos seus desejos.
Alice fazia magia, para segurar André.
André gritava-lhe em silêncio, ao seu ouvido, o mesmo grito mudo que Alice pensou ter ouvido um dia.
E assim, num curto espaço de tempo mudaram de casa novamente, agora para um enorme apartamento voltado para a Marina de Lagos, com uma imensa varanda, onde poisavam gaivotas ao fim da tarde. 
E onde os três poderiam ser felizes. Alice fechava os olhos com muita força, e quase que conseguia imaginar o seu filho a viver ali com eles, naquele apartamento de gaivotas e luas cheias.
Pela varanda entrava uma luz intensa, inundava toda a casa, tentando chegar aos seus corações. O Sol iluminava tudo com os seus raios fortes de várias cores, e ali , naquela varanda a Lua amarela passaria a ser uma convidada de eleição. 
Chegava agora uma Primavera, que poderia ter sido a melhor das suas vidas.
E tentando que assim fosse , Alice calava-se , não gritava para não acordar André.
Pensava no seu filho diariamente, e sem gritos calava as saudades que levariam André a afundar-se ainda mais na sua própria angústia.
E Alice não grita, e não percebia as repentinas mudanças de André que de um momento para o outro se sentia o ser mais forte e poderoso ao cimo da Terra, e no momento seguinte, enrolava-se como um menino suplicando o amor de Alice.

E até perceber, Alice não gritava.
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CANIL E GRITOS

- Acho que há um canil lá para o meio dos montes... Dizem que é duma inglesa, e que tratam muito bem dos cães... se calhar era uma ideia, para quando tivéssemos que deixar a Beky por uns dias, não achas Alice?
- Isso é bom, acho que sim. Quem te disse, foram os outros, do canil de Faro?
- Sim foram. Tenho aqui o mapa, a dizer como lá chegar.
-Então vamos à procura, e já ficamos a saber onde é.
- está bem, levamos a Beky connosco, assim ela já fica a conhecer.
Saímos de casa, com a Beky a lutar furiosamente com a trela. Detestava sentir-se presa, e a sua liberdade tinha-lhe sido roubada com a nossa mudança de casa.
Seguimos o mapa, perdidos no meio dos montes, não encontrávamos nada parecido com um canil.
-Deve ser por aqui...
Lá íamos, perguntando aqui e acolá, pelo meio daquela serra no meio dum Algarve que eu não conhecia.
O mapa não coincidia com lugar nenhum. 
Que raio de mapa este! Que raio de serra esta!
Mas cheirava bem... lembro-me do cheiro , era bom aquele cheiro a terra. Ali só o cheiro me agradava.
Depois de muitas voltas, por caminhos desertos, lá descobrimos aquilo que supostamente era um canil. 
Um portão de ferro ferrugento, enorme e pesado. Um caminho estreitinho, onde a carrinha não cabia.
E por meio dos arbustos, passado aquele portão, lá fomos pisando pedregulhos. Parecia que entravamos num outro mundo qualquer, um mundo sem gente. Um mundo que senti imediatamente não ser meu.
Chegámos ao fim daquele caminho estreito, ao cimo dum monte espreitavam umas duas ou três casitas. 
Um espaço enorme, onde imensos cães ladravam em conjunto, estridente mente, ao jeito de boas ou más vindas.
A Beky, dentro da carrinha, ficava nervosa com tantos latidos, e também ela queria entrar naquela festa canina. Tantos amigos!!
Não se via ninguém, só cães e Sol... nenhum sinal de vida humana.

---- que raio de sítio este! arrepia-me.... eu não vou deixar aqui a Beky, nunca! no meio do nada...sem mais ninguém... ----

Esperámos, e esperámos, e ninguém aparecia, mesmo com o ensurdecedor barulho que a matilha fazia ao ladrar.
Já cansados de ali estar , antes de desistirmos de esperar, André começou a buzinar com força, carregava na buzina da carrinha com toda a força. 
Os cães ladravam ainda mais, gritavam! André não parava de buzinar. E eu só queria fugir dali!
Tantos gritos!! Só queria nunca mais ali voltar! Que sitio horrível!
Quando já nos preparávamos para ir embora, aparece alguém vindo detrás dumas moitas, aos gritos também.
 Gritava em inglês, qualquer coisa como:
"Não é preciso buzinar assim!!não vê que os cães estão nervosos?!!!

---- que mulher horrorosa...antipática...----

- Vamos embora André, nem lhe respondas! 
-Não.Já agora, deixa lá ver o que esta "gaja" quer....deixa-me lá falar com ela.
Saiu da carrinha, e encostado à porta começou a conversar com a inglesa que já não gritava. estava agora muito mais calma, até sorria.... com um ar enxovalhado, com olhos de rato por trás dos seus óculos fininhos e dourados. A pele muito branca, enrugada e manchada pelo Sol do Algarve com manchas cor de rosa. cara de fuinha, não me inspirava confiança. Mãos curtidas pelo calor, dedos curtos e feios.
Uma típica inglesa corada , cabelo escorrido e claro, a boca fininha e cortada à faca, andaria na casa dos cinquenta anos, assim parecia.
Continuavam os dois a conversar. Agora ela e ele sorriam. Eu nem do carro saí… Ouvia qualquer coisa dita por ela:
- você é uma simpatia! As pessoas daqui, de Algarve, as gentes daqui, não costumam ser assim, tão educadas… e com tanto charme …

---- pronto! Tinha encantado a inglesa enxovalhada, este meu encantador de serpentes. Que mulher esta, que raio de pessoa, que em terra alheia se põe a dizer mal das “gentes daqui” ! Tanto tempo por estas terras , e ainda não sabe falar a nossa língua?! Que presunção… cretina!----

Continuavam em amena cavaqueira, eu dentro da carrinha, não saia dali nem por nada, nem queria ouvir nada do que estavam a dizer. Combinaram tudo. Combinaram tudo sobre a Beky.
Fomos embora, depois daquela conversa idiota.
- André, que mulher horrível! Aos gritos, odeio gritos! Mas ficou encantada contigo…
- Achas?! Era horrorosa sim…
Dizia-me com um sorriso meio plastificado.
- Não gostei mesmo nada dela, arrepiou-me e assustou-me.
André continuou a sorrir.
Seguimos a vereda , de volta à estrada. A vereda que riscou a carrinha com os seus arbustos, desenhando fios fininhos, que não sairiam mais .
Nem eu sabia que aquela carrinha iria passar por ali tantas vezes, e que tantas vezes se iria estragar… não sabia eu, que aquele caminho de pedras grandes, de tanto ser percorrido, iria estragar todos os meus caminhos.
- A Beky pode cá ficar sempre que for necessário. Fiquei com todos os contactos da Linda, quando precisarmos é só ligar-lhe.

---- e era so ligar… era mesmo só ligar!----

A senhora ía estar à espera que lhe ligasse, e André sabia disso tão bem… e eu sabia isso demasiado bem .
Eu só desejava sair dali o mais rápido possível, e nunca mais ali voltar, só queria fugir.
Mais tarde no tempo, voltei lá, a contra gosto!
Mais tarde aquele horrendo canil, serviria de abrigo à Beky, ao André…e a tudo o que eu ali tinha naquelas terras a Sul de mim.
Não muito mais tarde…

(continua…)



14 comentários:

AFRICA EM POESIA disse...

Vim...
Esta Alice tem um mundo para ser lido e descoberto
vou esperar...um beijo


deixo


CAMINHANDO


Andei...
Caminhei...
E pensei...

E vi...
Que a ilusão...
Não é nada...

Mas...
Continuei a pensar...
E a caminhar...

E depois...
Acordei...
E olhei ao redor...

E vi...
Tanta coisa linda...
Que decidi...
Manter a ilusão...


LILI LARANJO

continuando assim... disse...

obrigada Lili

e [e isso mesmo a ilus]ao n]ao [e nada

beijo

vieira calado disse...

Obrigado pela sua participação na minha postagem.

Bjs

Táxi Pluvioso disse...

Talvez viver no Algarve, como não há portagens, seja solução.

Como aqui cheguei através o "o que me der na real gana", por onde tinha passado para deixar um link, e como vejo por cá Pink Floyd, também deixo:Concertos downloadáveis.

Vitor disse...

...E a Alice,continua a viciar...e eu estou a adorar!
...E os Pink Floyd,ai os Pink Floyd...tantas Alices lembrar.

beijo

S* disse...

Cada vez melhor... o canil.. ideia interessante.

Miguel disse...

Algarve,

Um paraíso ao sul deste pais ...!

Obrigada pela visita e espero visitar-te novamente para ler a continuação ...!

Bjks da M&M & Cª!

salgados disse...

Oi!
Deixei um Big 'LOOK' para você, lá no meu blogue, viu?!

Anónimo disse...

Teresa já cá tinha vindo ontem mas não comentei, a Alice continua a prender com a sua história de passividade e sofrimento, beijo

Blog Dri Viaro disse...

Oi, passei pra conhecer o blog e desejar boa tarde
bjss

aguardo sua visita :)

a d´almeida nunes disse...

Sem tempo para visitar os blogues que vou encontrando e referenciando. Eles bem ficam na minha agenda, mas conseguir ir a todos com regularidade é um bocado difícil.

Creio que andamos todos com o mesmo problema. Bem nos ralamos por não visitar todos os amigos assiduamente, mas não conseguimos.

Continuemos pois nesta luta!...

Bom trabalho o teu, neste blogue.

Bj

continuando assim... disse...

obrigada Miguel, saudades para o Algarve

bem vindos a todos! um grande beijo

Red Line disse...

...passei e kero deixar pégada...
Vou acompanhar a Alice!!!

continuando assim... disse...

Pizolizo: obrigada por apareceres por aqui e comentares !! bj