domingo

ALICE NÃO COME SOPAS ESTRAGADAS capítulo 7

Tudo insistia em fazer para tornar agradável a vida dentro daquela casa. Mais uma vez, Alice insistia, tal como já tinha feito antes insistia ... insistia-se.
Gostava de mudar tudo de sítio, estimava assim que nada fosse monótono naquela nova vida. E encontrava segurança numa simples mudança do sítio dos móveis.
A Beky gostava daquela casa, roía tudo o que apanhava à sua frente , o chão os rodapés, edeliciava-se com bocados de parede que ía roubando das esquinas. Com o incómodo de Alice, a cadela fazia tudo o que André lhe permitia. Os dois pareciam felizes.
A Beky unia-se a eles como uma flha, assim sentiu Alice, e querendo partilhar tudo com André, partilhava também as travessuras  consentidas.
Sá assim lhe fazia sentindo, partilhando tudo , e o que mais desejava era partilhar o amor que tinha pelo seu filho com André.
Alice não sabia que nem tudo se partilha, que ninguém sente da mesma forma, e a esse sentimento André fugia sem uma razão compreensivel para Alice. 
Tentava não recordar os desagradáveis episódios, tão recentes, e logo à chegada daquela nova casa, calava o desconforto que sentia.
Ali, supostamente deveria ser felizes e ali já começava a embranquecer ao lado de André a uma velocidade que não queria, assim se deixava estra ridículamente , e por amor.
Muitas vezes espreitava a rua, à janela da sua cozinha, olhava os professores da escola de línguas a fumar no passeio, e invariávelmente, Roberta olhava para cima com o seu olhar gélido e sinistro. 
Ficava a pensar que Roberta teria sido qualquer coisa na vida de André e nada perguntava com medo de saber. E o medo corrói devagarinho qualquer sentimento.
Aquele olhar, que a atingia como duas setas aquecidas num fogo lento, tornava a vida de Alice insuportável naquela casa branca. Aquela que tinham escolhido para viverem uma vida saudável em sentimentos.
Alice tornava o seu doentio.
André fingia nada perceber, ignorava aquela senhora estrangeira , cada vez que se cruzava com ela no passeio da rua. Alice calava as dúvidas absorvendo-se num silêncio imposto por incertezas.
Tudo a começava a apoquentar, e sabia que André nunca se afastava, para sempre, de alguém que tivésse feito parte da sua vida. Talvez com medo de cortar o fio, só porque não saberia se alguma vez o iria agarar de novo, tentando consertá-lo , para conseguir manipular uma outra velha marionete, guardada mas não esquecida nos seus inatingíveis recantos. Assim era André.
Apesar de aparentar algum desdém para com a senhora , André não a ignorava e dela não se desligaria, tal como fazia com Lia.
Raramente comentava com Alice, o que quer que fosse que tivesse a ver com o seu passado, os seus amores ou desamores. Parecia querer passar uma borracha por cima de tudo, dum passado qualquer. mas apagava tão devagarinho que as letras ...se viam , assim como quem apaga o lápis , mas deixa que se consiga ler o que está escrito. E qualquer dia , André poderia ler tudo outra vez.
Alice aprendia a viver desta forma tão estranha para ela, e nunca querendo estranhar nada.
André tinha saido da sua casa de Vilamoura,mas a casa ainda não tinha sido vendida. Lia vivia lá, sozinha e esperando um comprador que aparecesse. Lia tratava de quase tudo, e André pouco ou nada fazia, despreocupando-se e observando pacíficamente o desenrolar dos acontecimentos.
Gostava que Lia continuasse naquela sua antiga casa, e não cortava os cordéis que o uniam àquele passado tão recente.
Alice, secretamente, admirava a amizade que unia André a Lia. Embora melindrada nun ciúme justificado ou não,nunca impedia André de seguir o caminho que entendesse escolher, nem tão pouco que periódicamente se encontrasse com Lia.
Chegava mesmo a incentivá-lo a visitá-la, nem sabia porque o fazia, talvez por continuar a valorizar a liberdade mais do que qualquer outra coisa na vida.
Alice pensava que aquele fio que unia André a Lia, deveria começar a ser desfiado, mas nunca se julgou no direito de o sugerir. 
Era o seu passado, e por isso respeitava o que não viveu com André, confiando que o passado lhe teria construído um carácter, que André insistia em esconder, disfarçando-se em atitudes que Alice gostava de julgar imponderadas, por um motivo que ela não descobria.
André continuava inconstante no seu complicado viver, Alice procurava ,de todas a formas possíveis, confiar-lhe uma estabilidade que ele declinava assustado. Alice baralhava-se.
André sugava-a , querendo ou mesmo sem querer, Alice colava-se ao chão esperando o momento seguinte, o qual nunca sabia como iria ser.
André desaparecia sempre que queria, e reaparecia como por artes mágicas dum homem alado que nunca aprendeu a voar. André voava baixinho com medo de cair. 
Ia e vinha, receava ficar. Dividia-se sempre nos seus estranhos mundos,partia-se aos bocados quase nunca sabendo por onde ir. Querendo ficar sozinho, tantas vezes, tentava zarpar e ancorado a Alice,fugia de si mesmo por caminhos que nem ele adivinhava.
André queria o melhor de dois mundos, e com isso Alice pensou conseguir. Queria-o expontâneo, livre, e nem se apercebia que André não sabia o que significava a liberdade, sempre preso em si mesmo, continuava a tentar viver nunca se libertando de nada. Ia e vinha, parecia não saber ficar definitivamente, mas desejava saber ficar para sempre. André confundia-se nos seus sentimentos.
E tantas coisa que Alice sempre desejou entender para não temer, e que só entenderia quando menos quisesse.
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A SOPA ESTRAGADA.

Finalmente instalados na casa nova, toca o telefone.
"Sim...bem..tem calma Lia, está bem , eu daqui a nada estou aí. Têm calma está bem? Até já, eu já estou a ir."
- Olha querida, não fiques chateada, mas eu vou ter que ir...a Lia não se está a sentir bem. Eu não demoro nada...eu vou, está bem?...Ela está sozinha em Vilamoura e fica logo muito aflita. Tu entendes, não entendes querida?.. Tu entendes, que eu sei, Alice.
Sorria-me com um sorriso belo e manipulador.
---- entendia sim, só não entendi..... anos mais tarde...como a sua atitude podia ser tão diferente... em circunstâncias tão semelhantes... ----
- Está bem André, vai...mas os que se passa com aLIa? o que é que ela tem? precisas de mim...queres que vá contigo?
Saíu-me assim esta pergunta aparvalhada.
- Não sei, parece que comeu qualquer coisa estragada, sabes.. a Lia é muito sensível com a comida, eu vou lá num instante. Não demoro nada.
Demorou-se muito.
Estive tentada a ligar, mas ligar para quê? Devia ter ligado, não devia ter ligado... muitas vezes ligava, desta não liguei.
Mas pensei...
--- olha André , eu estou aqui, sozinha... preocupada. Já socorreste? Ainda és preciso aí...?---
Afinal , que coisa Alice! Então a rapariga estava mal disposta e sozinha...tu também irias gostar que fossem ter contigo.
(anos mais tarde, não me escancarou a porta, como dizem que um Deus faz....).
E ele foi,preocupa-se com ela, gosta dela, é normal....respeita-a muito, está eternamente agradecido por tudo o que viveu com ela. Claro!
Foi sua mulher durante tantos anos, quem sou eu para fazer juízos de valores...
è normal, é tudo normal...
 tu metes com cada coisa na cabeça! As pessoas não são todas iguais a ti, quanmdo é que aprendes a aceitar isso....?
--- no lugar da Lia, sabendo que ele estava numa casa que tinha escolhido como sua, agora com outra pessoa, com quem ele tinha escolhido viver... Tu não ligarias Alice. Tu , armarias a tua "fortaleza de papel" à tua volta. Picavas-te na tua cota de malha...em silêncio. E agoniavas-te sozinha! não te intrometias...respeitavas a liberdade ... mas tu és assim. Estupidamente assim... Tu nunca precisas de nada! ---
Fiquei horas sozinha e sem notícias. Já eu me agoniada também... mesmo sem comer nada estragado.
Mas não faz mal... vai outra vez buscar a tua caixinha de unto para a alma, aquele mágico...ficas pronta para outra!
Quando ele chegra não vais fazer perguntas. Espera!
Esperei, como sempre, como me tinha habituado.
Chegou. De focinho no ar, a Beky já tinha dado o seusinal, ainda o carro não estava estacionado à porta.
Três horas depois... ( tanto tempo para uma má disposição...não sejas parva! arruma tudo lá na "gavetinha"!)
- Então André?!
_ Não era nada de especial... Comeu uma sopa Knorr que estava estragada, no frigorífico. Mas já está melhor, ela estava tão aflita...até chorava ao telefone...fartou-se de me pedir desculpa.
Tudo aquilo me soou a repetição
( chorar ao telefone... nem sempre o comove...mas isso eu só descobri muito mais tarde).
- Coitada da Lia, pois...é horrívelestar sozinha e mal disposta...assim desamparada, sem ninguémm por perto. Ainda bem que te pode ligar, e que tu vais logo a correr...
Disse-o cheia de ironia.
Curiosamente eu já ironizava comigo própria, nem queria saber se André percebia.
Quando é que aprendi a ser hipócrita? Quando é que me ensinas-te André...?
- Sabes André, ando para te dizer isto à uma quantidade de tempo, eu gostava muito de conhecer a Lia. Afinal vocês são tão amigos, preocupam-se um com o outro...gostava mesmo de a conhecer.
Desta vez sem qualquer ironia, só com uma imensa curiosidade.
- Ai sim? gostavas?. (sorriso forçado) Então liga-lhe! (seco, curto e grosso).
Nesse dia não entendo o porquê daquela crua resposta. Senti imediatamente, que Andrénunca ficaria confortável com aquele possível encontro.
----mas tanta coisa que eu não sei...na verdade não conheço ninguém que o conheça---
Tempos mais tarde conhecia a Lia, por iniciativa mútua, noutras circunstâncias, numa outra cidadeque não aquela, e por razões que justificavam a nossa conversa, não as melhores. Mais tarde iria conhecer a Lia.----
E mais tarde no tempoque o tempo mandou, nesse encontro, fiquei a conhecer André, uma pessoa diferente daquela que eu diáriamente construía dentro de mim... no meu mundo, no meu desejo, no meu fértil, perigoso e engenhoso imaginário.
André evitou sempre qualquer encontro, mesmo casual... não sei como se evitam encontros casuais , mas o meu mágico era perito em conseguir coisas inimagináveis.
E durante anos, eu não conheci quase ninguém que o conhecesse. E isso confortava-me, dando-me uma idiota sensação de exclusividade.
Estranhando o porquê, vivia afagada numa frágil segurança, só eu e André. Pefeito. Demasiado perfeito.
Não entendia porque não conhecia mais ninguém, não entendia porque não me apresentava a ninguém... nessa altura, isso não me importava , só me estranhava.
Hoje talvez saiba a importancia que isso tinha e o que revelava.
Eu espantava-me de admiração, alimentava-me de mistério...
Tolerava....
E a partir daquele dia, sempre que olho para uma sopa Knorr ; sorrio-me...e nunca a como, para nunca me agoniar.

9 comentários:

Francisco José Rito disse...

Então a menina ontem fez gazeta! :-)

Beijos e não te esqueças do Concurso hoje as 24...

Beijos

continuando assim... disse...

beijinho Francisco
eu mandei-yte o texto :) espero que tenhas recebido

Lilá(s) disse...

Estou a gostar, lindo!
Bjs

Anónimo disse...

"Um amigo vem e segura a sua mão ou te abraça. Não perca essa oportunidade - porque Deus veio na forma da mão, do abraço, na forma do amigo".

(Osho)

Re desejo uma semana de sonhos e poesia. Beijos M@ria

Francisco José Rito disse...

Ja la esta! Falta saber quando teras tempo de la passar eh eh eh

Beijo

Inês Dunas disse...

A Alice tinha aterrado num país sem maravilhas...

Dominador Sertanejo disse...

Esta otimo!
Pode esquecer o Talvez. Ja é certo!

catwoman disse...

Como me revejo nos silêncios e nas meias palavrasque rodeavam Alice. Infelizmente, só mais tarde, muito mais tarde, é que reconhecemos o quanto o amor foi morrendo nesses silêncios e nessas ausências, infelizmente só o reconhecemos quando o amor já se tornou desilusão e vazio.
Continuo a gostar.
Beijinho.

continuando assim... disse...

catwoman: tantas Alices por aí---- que até me arrepia :) beijo... a história continua.

Dominador: bem vindo mais uma vez, e tiro o talvez sim senhor!! bj

Maria: era bom que tudo fosse tão fácil ;) um beijo

Lilás: obrigada por gostares...só assim vale a pena continuar:)